IAC, Berço do Melhoramento Genético Contemporâneo no Brasil

Carlos A. Colombo 1 e Walter J. Siqueira

1 ccolombo@iac.sp.gov.br Centro de Pesquisa e Desenvolvimento de Recursos Genéticos Vegetais, IAC.

Não se conhece a data exata de seu surgimento, mas o melhoramento de plantas não nasceu hoje. Ele se confunde com a domesticação de plantas, quando o homem passa a selecionar e cultivar plantas do seu interesse. Isso se deu há aproximadamente 10 mil anos. De forma intuitiva ou empírica, características como maior tamanho e retenção de sementes na planta, concentração de maior número de sementes em menor número de inflorescências, germinação mais uniforme, hábito de crescimento ereto, dentre outras, como aroma, cor e sabor, foram modificações essenciais causadas ao longo de milhares de anos de domesticação ou de melhoramento genético. Da mesma forma, a domesticação pode ser a responsável pela atual ocorrência e distribuição de centenas de espécies de plantas silvestres da Amazônia, conforme estudo recentemente divulgado pela revista Science.

Exemplo dessas alterações seriam os atuais milhos que dispomos hoje para cultivo, muito diferentes no tamanho, revestimento da espiga e número de grãos reduzidos, dos ancestrais da espécie, assim como os feijões domesticados pelos índios peruanos, muito maiores do que as formas selvagens dos feijões contemporâneos da região, o abacaxi comercial sem sementes e partenocárpico selecionado pelos tupis-guaranis e a gradativa redução do comprimento do estilo-estigma do tomateiro, que o transformou em espécie autógama. Dos cerca de 250 utilizados na alimentação, apenas 15 cultivos são responsáveis pelo suprimento de 90% das calorias consumidas pelo homem no mundo.

Muito mais recentemente, a ideia de melhoramento intencional aparece em
publicação de 1513 de Alonso de Herrera, que menciona que no século I (a.C.) os romanos teriam praticado métodos de seleção em plantas de autofecundação, tal como arroz ou trigo. No entanto, o melhoramento genético é muito recente enquanto ciência e sua origem remonta aos estudos realizados pelos contemporâneos Darwin e Mendel, no século XIX. O primeiro descrevendo as causas da variação e o segundo revelando o determinismo genético da variação observada. A teoria do melhoramento genético aparece em 1918 em artigo publicado por Fisher, que introduziu o termo variância e suas propriedades aditivas para explicar a variância fenotípica e definiu o fenótipo de uma determinada planta como sendo o somatório da variação genotípica e da variação ambiental.

Os estratégicos testes de progênies de material genético em seleção (utilizados até hoje) foram um marco na evolução do melhoramento genético contemporâneo. No século XIX, os melhoristas Jonh Le Couter e Patrick Sherrif foram os primeiros a utilizar as progênies de cereais para a criação de cultivares. No contexto da busca de maior e mais uniforme produção vieram os trabalhos de H. Nilsson, que envolvem progênies e o estabelecimento do princípio da seleção individual em linhas puras ou homozigotas de espécies de autofecundação (Teoria das Linhas Puras). Com a revisitação das experiências de Mendel e a redescoberta das leis da genética, G.H. Shull obteve linhagens de milho a partir da autofecundação e híbridos biparentais entre elas. É quando nasce, em 1904, a ideia da heterose, ao se notar que esses híbridos possuíam produção superior aos pais. Alguns anos depois, em 1918, D.F.Jones propõe a utilização de híbridos duplos com finalidade comercial. Esses trabalhos, entre outros, criaram a base do melhoramento genético moderno desenvolvido em todo mundo.

No Brasil, as primeiras ações de melhoramento genético ocorrem simultaneamente na ESALQ e no IAC, no início da década de 1920. Na ESALQ, com milho, mandioca e arroz e, no IAC, com algodão. Nessa época, o IAC era comandado pelo diretor emérito Theodureto Leite de Almeida Camargo, responsável pelo ingresso de importantes nomes da pesquisa em genética de plantas na Instituição, quase todos formados pela ESALQ. Um deles, o maranhense Raimundo Firmino Cruz Martins, foi enviado aos Estados Unidos para especializar-se na cultura do algodoeiro, tendo trazido em sua bagagem de volta uma coleção de 70 variedades da cultura, com o objetivo de selecionar as mais produtivas em solo brasileiro. Com a crise nos cafezais paulistas, devido à queda das cotações no mercado internacional, os pés de café foram sendo substituídos pela cultura do algodão, graças às pesquisas de Cruz Martins. O cultivo do algodoeiro em terras antes historicamente ocupadas por cafeeiros abriu caminho para o conhecimento da agricultura voltada para espécies anuais.

Alguns anos depois, o melhoramento de plantas foi definitivamente consolidado com o surgimento da genética no Brasil, capitaneada por três nomes imprescindíveis: André Dreyfus, Friedrich Gustav Brieger e Carlos Arnaldo Krug. André Dreyfus nasceu em Pelotas (RS) e em 1922 mudou-se com sua família para o Rio de Janeiro, onde ingressou na Faculdade de Medicina. Transferiu-se para São Paulo em 1927 e
integrou o grupo que criou, em 1934, a Universidade de São Paulo, tornando-se mais tarde diretor da Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras. O desenvolvimento da genética moderna no Brasil, sobretudo humana, deve muito a esse personagem, especialmente por ter trazido ao Brasil o geneticista e biólogo evolutivo Theodosius Dobzhansky, quando se inicia a formação dos principais geneticistas brasileiros.

O botânico e geneticista alemão Friedrich Gustav Brieger chegou ao Brasil em 1936 para iniciar a cátedra de Citologia e Genética na ESALQ. Brieger divisou que a agricultura tropical era muito diferente daquela dos países temperados e iniciou uma mudança importante na qualidade do produto e no hábito de consumo dos brasileiros ao desenvolver cultivares de couve-flor, alface, tomate e espinafre para as condições tropicais de cultivo, como também ocupou lugar chave no desenvolvimento de variedades de milho de maior qualidade de aminoácidos.

Sem dúvida, o maior nome da genética experimental em plantas e, consequentemente, o responsável pelos maiores avanços do melhoramento genético vegetal das culturas mais importantes do país foi Carlos Arnaldo Krug. Nascido em São Paulo, em 1906, fez o curso secundário na Alemanha e se formou engenheiro agrônomo pela ESALQ em 1928, quando ingressou na recém-criada Seção de Genética do IAC pelas mãos de Theodureto, que, três anos depois, o envia para a Cornell University, nos Estados Unidos, para especializar-se em genética, citogenética e melhoramento de plantas. Voltando ao Brasil, em 1932, torna-se chefe da recém-criada Seção de Genética e, em 1933, proferiu no IAC um dos primeiros cursos sobre genética do país.

A Seção de Genética do IAC é considerada um dos primeiros locais criados no país destinados especificamente ao desenvolvimento de pesquisas sobre a herança e melhoramento das espécies vegetais e teve entre seus principais pesquisadores Carlos Arnaldo Krug, Glauco Pinto Viégas e Alcides Carvalho. Logo no início da sua criação, foram elaborados dois grandes projetos de melhoramento de plantas: do milho e do café. Nos anos seguintes, o café foi uma das culturas que mais se desenvolveu, seguida do arroz, do feijão e do milho. Krug deu início em 1932 à execução de investigações básicas sobre a biologia da reprodução, taxinomia, análises citológicas, morfologia, anatomia, análises genéticas e seleção de linhagens produtivas e de boa qualidade do cafeeiro. Dez anos após o início das investigações sobre a seleção do cafeeiro, os lavradores já podiam contar com sementes de linhagens de Bourbon Vermelho, bem mais produtivas e uniformes que as anteriormente existentes. Em 1935, Dr. Alcides Carvalho é integrado ao IAC e por mais de 50 anos se dedica integral e empolgadamente ao melhoramento do cafeeiro, sendo responsável pela criação de 65 cultivares de café, dos quais boa parte deles está no alicerce da cafeicultura brasileira. 

Foi também Carlos Arnaldo Krug quem trouxe o milho híbrido dos Estados Unidos, mas que apresentou resultados inferiores ao cultivo do milho caipira. Krug trabalhou nessa cultura durante 12 anos, juntamente com Glauco Pinto Viégas, para obter o milho híbrido tupiniquim. O resultado dessa pesquisa é que o estado de São Paulo foi considerado a primeira região da América Latina a contar com híbridos de linhagens próprias. A melhoria que se notou no cultivo desse cereal após a introdução das sementes de milho híbrido teve impacto econômico reconhecido na época.

A pesquisa em genética florestal no Brasil também teve a marca do IAC. Krug foi convidado, em 1941, pelo então Superintendente do Serviço Florestal do Estado de São Paulo, Edmundo Navarro de Andrade, a elaborar um programa de melhoramento genético dos eucaliptos. O programa foi implantando e é considerado o marco do início da pesquisa em genética florestal no Brasil.

Outras importantes culturas tiveram a mesma sorte que o café, tendo sido alavancadas no país por pesquisadores do IAC que estampam as páginas da história do melhoramento de plantas no país. O atual Centro de Citricultura foi criado em 1928 com o nome de Estação Experimental de Limeira, e, ao longo de seus 89 anos, destaca-se como gerador e difusor de material genético e tecnologia. A cana-de-açúcar e a soja foram introduzidas no Brasil, em 1892, por Franz Daffert, primeiro diretor do IAC. No caso da cana, 42 clones foram avaliados em duas condições de cultivo. O melhoramento genético da soja foi iniciado em 1935 por meio de introduções de germoplasma trazido dos Estados Unidos e Japão, e, anos depois, as recombinações genéticas e seleção realizadas por Shiro Miyasaka produziram os cultivares IAC-1, IAC-2, Santa Rosa e Industrial, esses dois últimos com expressiva participação na área de cultivo da soja em todo o país na década de 1970. Ainda na década de 1950, Shiro identificou os materiais Santa Maria e Aliança Preta como menos sensíveis ao fotoperiodismo, e essas variedades podem ser classificadas como as precursoras da tropicalização da soja no Brasil.

No caso da viticultura, os primeiros passos com a finalidade de obter novas variedades foram dados em São Paulo pelos produtores Pereira Barreto, em 1895, e por Paulino Recch e colaboradores entre os anos de 1930 e 1940. No IAC, as atividades de melhoramento genético com a videira são iniciadas em 1943 para obtenção de variedades de uvas de vinho, uvas de mesa e porta-enxertos. José Ribeiro de Almeida Santos Neto, ou simplesmente Santos Neto, é o grande nome e o responsável por grande parte dos 62 cultivares lançados pelo IAC. Estava, assim, aberto o caminho para a criação de castas brasileiras destinadas a marcar o início de uma viticultura brasileira.

De modo geral, a fruticultura temperada provavelmente não teria a importância que tem hoje, sobretudo no estado de São Paulo, não fosse a iniciativa do IAC e do seu maior nome, Orlando Rigitano. Ingresso no Serviço de Horticultura do Instituto Agronômico em março de 1941, criou e difundiu fruteiras de clima temperado de menor exigência em frio estabelecendo as culturas do pêssego, figo ameixa, pera e maçã em São Paulo, coisa inimaginável até então. É considerado o pai da Fruticultura Temperada no Brasil, além de criador da Sociedade Brasileira de Fruticultura.

Com a horticultura não foi diferente, e as pesquisas do IAC nessa área tiveram início oficialmente em 1927, com a criação da Seção de Horticultura. Desde então, nomes como Leocádio Almeida de Souza Camargo, Edgard Sant’Anna Normanha, Hiroshi Nagai e Hilário Miranda da Silva Filho são exemplos de vida dedicada ao melhoramento de várias espécies da olericultura brasileira, tendo sido lançados mais de 70 cultivares de hortaliças, com destaque para tomate, alface, alho, couve-brócolos do tipo ramoso, morango, quiabo, pimentão e pimenta, mandioca-de-mesa e batata. Destaque para Edgard Sant’Anna Normanha, que chega ao IAC em 1936 para se tornar a maior referência nacional da cultura da mandioca e por ter deixado um legado extraordinário de conhecimento e ações que serviram para salvar povos carentes de inanição no Brasil, na África, na Ásia e em países da América Central. Do mesmo naipe de Normanha, é o conjunto da obra de Hiroshi Nagai, que, a partir do final da década de 1960, atuou obstinadamente nas culturas de tomate, alface, pimenta e pimentão, com ênfase na resistência a doenças. Seu primeiro grande sucesso, o cultivar de tomate de mesa Ângela, foi amplamente cultivado no estado de São Paulo e em outras zonas de produção do país, assim como o cultivar Ângela Gigante, derivado da primeira, nove anos depois (1978), que chegou a ocupar 70% da área plantada com tomateiro estaqueado no Brasil. Não bastasse tanto sucesso, o mais importante cultivar de tomate ainda estaria por chegar. Em 1985, Nagai lança o IAC Santa Clara, cuja aceitação do setor produtivo foi imediata e altamente positiva, substituindo o então líder Ângela Gigante e permanecendo líder de mercado de tomates de mesa no Brasil até 1998.

Melhoramento é evolução e, como tal, não tem fim. Muitos outros exemplos recentes de sucesso de melhoramento praticado pelo IAC em várias culturas e seus respectivos melhoristas poderiam ser citados, como os atuais clones da série 500 de seringueira (Paulo Gonçalves), os vários cultivares de amendoim, tão presentes entre os produtores (Ignácio José de Godoy), o feijão carioca (Eduardo A. Bulisani), irradiado para quase todo o Brasil, os trigos de alta qualidade tecnológica (Carlos Eduardo de Oliveira Camargo), as batatas resistentes ao vírus do enrolamento das folhas (Hilário Miranda) ou os cultivares de arroz agulhinha, preferência nacional (Luiz Ernesto Azzini). Os exemplos são incontáveis e o fato concreto é que de 1932 até 2016 o IAC lançou 1.041 cultivares em aproximadamente 100 espécies de plantas. Ou seja, em 84 anos de registro, o Instituto Agronômico lançou o espetacular número médio de 12,4 cultivares por ano ou um cultivar por mês (Gráfico 1).

Número de cultivares lançados por intervalo de décadas.

O ano de 1932 pode ser adotado como o ano emblemático do início da aplicação dos conhecimentos de genética na área vegetal ou da ciência do melhoramento genético de plantas no Brasil. É também o ano de lançamento do primeiro cultivar do IAC, o algodoeiro batizado de IA-7387.

O melhoramento de plantas dos dias de hoje não é muito diferente daquele de passado longínquo. Melhoramento é observação, é olhar cuidadoso, é a capacidade de revelar e enxergar o diferente, é paciência. Mesmo hoje, com tamanha inserção da biotecnologia e alcançando níveis de mercado cada vez mais oligopolizados, a exemplo dos transgênicos, uma coisa é certa: o background genético necessário para o sucesso atual depende essencialmente das construções genéticas obtidas por melhoristas ao longo de décadas de pesquisa e experimentação. Não há tecnologia agrícola mais marcante e com reflexos tão benéficos para a agricultura e o meio ambiente que a substituição de um cultivar por outro de ainda melhor desempenho.

Dr. Carlos Arnaldo Krug. Foto obtida da página web da John Simon Guggenheim Memorial Foundation (www.gf.org/fellows/all-fellows/c-a-krug/)

Dr Leocádio Almeida de Souza Camargo num campo de florescimento de repolho: Melhoramento é, quando menos se espera, solução - como aconteceu com o Repolho “Louco” de Verão, em Cuba. Selecionado inicialmente pelo Dr. Leocádio nos anos 40, foi o único dos repolhos avaliados nos anos 80 a formar boas e enormes cabeças (razão do seu nome) e produzir sementes naquele país, por ser tolerante ao calor. Foto: Pedro Maciel

Dr Raimundo Firmino Cruz Martins em campo de avaliação de linhagens de algodoeiro, cultura protagonista da colonização do oeste paulista na década de 30. Foto de 1927

Dr Alcides Carvalho, observando uma de suas criações, o Catuaí Amarelo, que juntamente com Caturra Vermelho, Caturra Amarelo, Bourbon Vermelho e Bourbon Amarelo, Mundo Novo, Acaiá, Icatu Vermelho, Icatu Amarelo, Icatu Precoce e Apoatã, simbolizam a base genética de quase toda a cafeicultura brasileira. Foto: Silvestre Silva

Melhoramento é trabalho árduo, é chapéu e bota, é sol e chuva, agacha e levanta, é calo na mão e, sempre, o suor das pessoas que dão duro. Foto de Pedro Maciel.

Dr Hiroshi Nagai. Assim como na natureza, o melhoramento genético é gradual, sem saltos, suas mudanças ocorrem aos poucos, aprimorando com o passar dos anos aquilo que já se tem, construindo, gene após gene, um novo cultivar. Foi assim que surgiram os cultivares de tomate do Dr Nagai, ilustrado nessa imagem dos anos 90.

Dr Edgard Sant´Anna Normanha: Melhoramento é observação, é olhar cuidadoso, é habilidade de enxergar o diferente, é paciência. Certa vez escreveu-se o seguinte sobre o Dr. Normanha, grande nome do melhoramento da mandioca durante os seus 30 anos de IAC: Ele tem uma capacidade de observação tão acentuada que muitas vezes cheguei a pensar que tivesse a possibilidade de dialogar com as plantas e elas lhe contassem as suas queixas e aspirações”. Foto: Pedro Maciel.