Desenvolvimento de métodos de análise de solos: impactos na agricultura brasileira

Bernardo van Raij 1, Heitor Cantarella e José A. Quaggio

1 bvanraij@iac.sp.gov.br Centro de Pesquisa e Desenvolvimento de Solos e Recursos Ambientais, IAC.

Evolução histórica da análise de solo no Brasil

O primeiro documento sobre a análise de solo no País encontra-se no relatório de 1889 da então Estação Agronômica de Campinas, que deu origem ao IAC. O Imperador D. Pedro II, com o objetivo de dar suporte à cafeicultura, então principal produto da economia brasileira, contratou o austríaco Dr. Franz W. Dafert, químico de solo, para fundar o Instituto Agronômico, em 1887. As pesquisas iniciais buscavam métodos de análise de solo que fossem capazes de explicar a perda de produtividade dos cafezais após poucos anos da derrubada da mata e plantio do café. Naquela época, foi desenvolvido um método de análise de nitrogênio no solo (Instituto Agronômico, 1892) que era usado na cafeicultura para fornecer pareceres de adubação. Os demais métodos empregados na época para outros nutrientes foram publicados em 1895 pelo alemão Bolliger, outro químico que também contribuiu para o desenvolvimento inicial dos métodos de análise de solo no IAC e no Brasil. Já em 1904, o Instituto Agronômico foi reconhecido em evento internacional por essa atividade (Figura 1).

Figura 1. Em 1904, o laboratório de análise de solo do IAC foi agraciado com a Medalha de Prata na Exposição Universal de St. Louis, nos Estados Unidos.

Em 1928, foi fundado o Setor de Análises de Solo - existente até hoje no IAC -,que realizava as “Anályses Summarias de Terra”, que representavam praticamente os teores totais de nutrientes no solo devido às concentrações elevadas de ácidos empregadas nas soluções extratoras. Posteriormente, foi criada a Divisão de Solos do IAC, cujo fundador foi o Dr. Paul Vageler, ex-professor da Universidade de Berlin e profundo conhecedor de Ciência do Solo. Ele publicou, em 1932, pouco antes de sua vinda para o Brasil, um livro sobre retenção de água e de cátions nos solos com conhecimentos muito avançados para a época. Vageler introduziu o conceito de íons trocáveis, que representavam melhor a disponibilidade de nutrientes em solos do que as “Analyses Summarias de Terra”. Esses conhecimentos permitiram, em 1946, o diagnóstico do “Crestamento do Trigo”, causado pela toxicidade de alumínio, que provocava perdas acentuadas de produtividade aos triticultores no Estado do Rio Grande do Sul.

Nas décadas de 1940 e 1950, novos métodos foram publicados por pesquisadores da Divisão de Solos do IAC, entre eles os de Setzer, em 1941, os quais foram revistos por Renato A. Catani e Alfredo Kupper, em 1946. Posteriormente, os métodos de análises existentes foram aprimorados e publicados por Catani e Romano Gallo em 1955 no famoso Boletim 69, que era utilizado como referência pela maioria dos laboratórios de análise de solo do País. Na metade da década de 1960, um programa conjunto entre o Ministério da Agricultura, através do Instituto de Química Agrícola, que hoje é a Embrapa Solos, e a Universidade da Carolina do Norte resultou em um grande progresso na análise de solo no Brasil, com reflexos que são sentidos até hoje. As principais instituições de pesquisa agronômica do País também aderiram ao programa, e a evolução da análise de solo coincidiu com a rápida expansão do uso de fertilizantes minerais.

Compromisso com o avanço da agricultura

Após décadas de pesquisa, em 1983, Bernardo van Raij e José A. Quaggio introduziram grandes mudanças na análise de solo no Estado de São Paulo, com a introdução de métodos de extração de nutrientes do solo com resina de troca iônica e cálculo de calagem através da saturação por bases a valores considerados ótimos para diferentes culturas, conforme o grau de sensibilidade à acidez do solo.

O método da resina é considerado internacionalmente como um sistema moderno de avaliação da disponibilidade de nutrientes do solo, pois simula o processo usado pelas raízes das plantas para retirar nutrientes do solo. Isso representou uma revitalização na análise de solo, especialmente porque essas duas mudanças na determinação da disponibilidade de fósforo, considerada o maior desafio da química de solos tropicais, e na necessidade de calagem representaram grande evolução em relação aos procedimentos anteriores.

A análise do solo tem papel importante na agricultura moderna. O preço pago pelos agricultores por esse serviço é modesto em comparação aos benefícios obtidos. A análise do solo permite o diagnóstico da fertilidade, apontando deficiências nutricionais e limitações do terreno para a produção agrícola, as quais podem ser corrigidas com o uso de insumos como calcário e fertilizantes – minerais e orgânicos. O correto diagnóstico é importante para permitir a escolha correta de doses e produtos visando otimizar a produção agrícola, o retorno econômico para o agricultor e, ao mesmo tempo, evitar desperdícios e riscos ao ambiente. Assim, métodos de análise adequados representam um avanço significativo para as práticas agrícolas.

A mudança dos métodos de análise veio acompanhada, poucos depois, pela atualização das tabelas de adubação e calagem de culturas, divulgadas numa publicação consagrada e conhecida como Boletim 100, lançado como parte das comemorações do Centenário do IAC em 1987. A influência da inovação se fez sentir no número de amostras analisadas, como mostram os resultados parciais da Figura 2. Dentre os fatores que mais contribuíram para o aumento das amostras de solo analisadas, destaca-se o aperfeiçoamento do cálculo da calagem e de análise de fósforo, proporcionando diagnósticos e recomendações de calagem e adubação de melhor qualidade para mais de uma centena de culturas cultivadas economicamente no Estado de São Paulo.

Em 1996, uma nova etapa foi iniciada com a introdução, em análise de solo de rotina, da determinação de micronutrientes e do diagnóstico da acidez do subsolo visando à recomendação de calagem e de gesso para estimular o aprofundamento das raízes das plantas e reduzir o risco provocado por períodos curtos de estiagem, que comprometem a produtividade das culturas. Essas inovações nas análises de solo, que permitiram aprimorar o diagnóstico da fertilidade do solo, foram acompanhadas por atualizações nas recomendações de calagem e adubação através da publicação da segunda edição do Boletim 100, em 1996, bastante ampliada. O Boletim 100 passou a incluir informações sobre teores de nutrientes em culturas e diagnose foliar e a fornecer recomendações de adubação levando em conta a produtividade esperada, os teores de N foliar para algumas culturas perenes e o histórico de uso da gleba.

Esses métodos ficaram conhecidos como “Sistema IAC de Análise de Solos”, o qual tem sido uma importante base tecnológica para a modernização da agricultura. O foco em aspectos limitantes dos solos brasileiros, em especial a acidez e a deficiência de fósforo, fez com que os métodos e processos desenvolvidos no IAC se tornassem especialmente relevantes para os solos tropicais brasileiros. Um número crescente de laboratórios, públicos e privados, passou a adotar esses métodos.

Figura 2. O lançamento de novos métodos colaborou para estimular o uso da análise de solo pelos agricultores.

Figura 3. Número de laboratórios públicos e privados participantes do Programa de Qualidade IAC de 1984 a 2015. Os números nas barras azuis indicam a porcentagem de laboratórios privados no total.

Programa de qualidade de análise de solo

Após o lançamento dos novos métodos pelo IAC, era preciso oferecer ferramentas para que os laboratórios que os adotassem pudessem aferir a qualidade de seus resultados para prestar um bom serviço aos agricultores. Assim, em 1983, teve início o “Programa de Qualidade de Laboratórios” do Sistema IAC de Análise de Solo, um ensaio interlaboratorial por meio do qual os resultados produzidos pelos laboratórios participantes a partir de amostras de solo previamente selecionadas pudessem ser comparados.

O número de laboratórios que utilizam os métodos IAC vem aumentando gradualmente desde o início do ensaio interlaboratorial, indicando a grande aceitação desses métodos. Seis laboratórios participaram em 1983/4 e, em 2016, esse número aumentou
para 136, provenientes de 13 estados brasileiros, além de quatro outros países.

Nos primeiros anos, os laboratórios realizavam apenas as determinações básicas em análise de solo, tais como pH e alumínio (medidas de acidez do solo), teor de matéria orgânica e disponibilidade de fósforo, potássio, cálcio e magnésio. Com o tempo, outras determinações foram sendo incluídas, tais como os micronutrientes, silício, sódio, metais pesados e granulometria. O ensaio interlaboratorial, acompanhando essas novas demandas, passou também a avaliar os laboratórios nessas novas medições.

Chama a atenção o grande aumento de laboratórios do setor privado, que representavam metade das instituições em 1983/84, mas que atualmente são 85% do total. No passado, os laboratórios que prestavam serviço de análise de solo eram predominantemente públicos, motivados pela necessidade de realizar campanhas para incentivar essa prática pelos agricultores. Com o tempo, o setor privado passou a prestar esse serviço devido às oportunidades surgidas com o crescimento da agricultura e aumento da demanda. Assim, o Instituto Agronômico, que teve o primeiro laboratório de análise de solo para agricultores no Brasil e que funciona ininterruptamente até os dias atuais, passou também a atender os agricultores indiretamente, ajudando a qualificar o serviço de análise de solo por parte de outros laboratórios. Essa é uma visão moderna da interação dos setores públicos e privados: instituições, como o IAC, com forte tradição em pesquisa e desenvolvimento produzem tecnologias e oferecem suporte para que sejam adotadas e bem utilizadas pelo setor privado em prol da agricultura.