A Tropicalização da Fruticultura como Gerador de Renda e Desenvolvimento Regional

Mara Fernandes Moura 1

1 mouram@iac.sp.gov.br Centro Avançado de Pesquisa Tecnológica do Agronegócio de Frutas. IAC.

Desde sua criação, em 27 de junho de 1887, o Instituto Agronômico de Campinas (IAC) vem dedicando esforços para a realização de pesquisas na área da fruticultura. Naquela época, o primeiro diretor geral, Dr. Franz Josef Wilhelm Dafert, foi responsável pelas introduções de frutíferas europeias na sede do IAC.

Trabalhos de adaptação climática foram necessários, pois as frutíferas originárias de regiões de clima temperado necessitam passar por um período de frio hibernal para que ocorram florescimento, brotação e frutificação regulares. Por exemplo, os cultivares de pêssego e de nectarina comercialmente cultivados nas regiões tradicionais da Europa, EUA e Japão têm, no geral, uma exigência de frio equivalente a um total acumulado ao redor de 850 horas de temperaturas abaixo de 7,2°C, o que se convencionou chamar horas de frio. Essa exigência de frio difere conforme a origem genética e geográfica do cultivar, o que permitiu, através de ciclos de melhoramento genético, a seleção de material adaptado às condições de inverno brando de São Paulo.

O cultivo comercial de pêssego é apenas um exemplo. A evolução do cultivo das fruteiras de clima temperado no Estado de São Paulo deve-se em muito à adoção dos cultivares obtidos no IAC, especialmente adaptados às nossas condições de inverno ameno, além da aplicação de técnicas culturais desenvolvidas em nosso meio. As fronteiras das áreas mais apropriadas para o cultivo dessas fruteiras, que antes ficavam restritas às encostas das Serras do Mar e da Mantiqueira, onde a altitude condiciona um clima propenso, expandiram-se para regiões de clima subtropical-temperado e, até mesmo, subtropical. Em decorrência disso, a produção dessas frutas em larga escala, hoje em dia, chega aos mais distantes e exigentes mercados nacionais.

As tecnologias desenvolvidas para os produtores paulistas cruzaram as fronteiras do nosso estado e são encontradas em tradicionais regiões fruticultoras, assim como proporcionaram a abertura de áreas agrícolas. Outro ótimo exemplo da contribuição dos cultivares IAC que permitiram a colonização de novas áreas é o uso de porta-enxertos de videira utilizados na região do Vale do Rio São Francisco e na Tailândia.

Resultados das pesquisas

Viticultura e Enologia

O programa de melhoramento genético de videira teve início com a introdução de uma coleção de cultivares provenientes da Europa e dos Estados Unidos em 1890. Com a criação, em 1937, da Estação Experimental de Jundiaí, estudos de várias naturezas foram também desenvolvidos, mas foi a partir da criação da Seção de Viticultura e Frutas de Clima Temperado, em 1942, que os trabalhos tiveram grande ascensão. Como contribuição do programa de melhoramento genético da videira, foram criados os principais porta-enxertos para viticultura paulista: IAC 766 ‘Campinas’, IAC 572 ‘Jales’, IAC 313 ‘Tropical’ e IAC 571-6 ‘Jundiaí’, entre os quais o IAC 766 e o IAC 572 são os mais plantados na região de Jundiaí e Jales respectivamente. Os porta-enxertos IAC 572 e IAC 313 também são os principais utilizados no Vale do Rio São Francisco, e o IAC 572 vem sendo utilizado na Tailândia.

Também foram lançados cultivares de uvas para vinho: JD 242, JD 1020, SR 496-15 ‘Dr. Júlio’, SR 496-16 ‘Dr. Seabra’, SR 5012-34 ‘Dona Emília’, IAC 21-14 ‘ Madalena’, IAC 116-31 ‘Rainha’, IAC 138-22 ‘Máximo’, IAC 960-9 ‘Sanches’, IAC 96012 e IAC 931-13 ‘Tetê’. Dentre esses cultivares, destaca-se o IAC 138-22 ‘Máximo’, que é o cultivar híbrido do IAC mais plantado na região.

Diversos cultivares de uvas para mesa também foram desenvolvidos: JD 874 ‘Moscatel de Jundiaí’, IAC 388 ‘Santa Tereza’, IAC 501-6 ‘Soraya’, Piratininga, IAC 871-41 ‘Patrícia’, IAC 1353-1’ Yole’, IAC 1398-21 ‘Traviu’, entre outros. Além desses cultivares, ainda foram desenvolvidas uvas sem sementes, como o IAC 457 ‘Iracema’, IAC 514-6 ‘Maria’, IAC 775-26 ‘Aurora’, IAC 871-13 ‘A Dona’. Note-se que a sigla JD foi utilizada para as variedades desenvolvidas em Jundiaí; a sigla SR, para os cultivares desenvolvidos na Estação de São Roque, e a sigla IAC para os desenvolvidos pelo programa de melhoramento genético da Seção de Viticultura em Campinas.

Os pesquisadores do IAC têm se empenhado na descoberta, descrição, avaliação e distribuição de material vegetativo de mutações, tendo sido descritos sete mutações da Niagara Branca, como também outras mutações como o cultivar IAC 8424v (Piratininga), originado por mutação do cultivar IAC 842-2 (Eugênio); a mutação somática ocorrida no cultivar IAC 871-41 (Patrícia), que foi denominada de Patrícia Branca; e o mutante apireno da variedade Niagara Rosada, que recebeu a denominação de Rosinha. Em 2001, resultados de pesquisa permitiram concluir que o cultivar Redimeire, de origem até então desconhecida e que vinha sendo cultivado na região noroeste do Estado de São Paulo, na realidade, é uma mutação natural da variedade Itália.

Concomitantemente ao programa de melhoramento varietal, foram desenvolvidos trabalhos visando ao aprimoramento ou à introdução de novas técnicas culturais, dentre as quais algumas merecem destaque, como a técnica de desbaste de bagas com o uso de escova plástica, que constituia maior inovação na cultura da uva Itália, desde sua introdução para cultivo em nosso país, no começo da década de 1940. A vantagem do processo é o seu rendimento, que pode chegar a 4.000 cachos/pessoa/dia, 20 vezes superior ao método tradicional, realizado com o uso de tesouras.

Há ainda a técnica desenvolvida para promover a apirenia e o desbaste de bagas em cachos do cultivar Itália, pelo uso combinado de estreptomicina e do ácido giberélico, e o estudo sobre o efeito da prática da incisão anelar sobre a maturação de uvas com sementes (que para o cultivar Niagara Rosada, a principal variedade do vinhedo paulista, permite a antecipação de cinco a dez dias na colheita).

Nos últimos anos, trabalhos agrometeorológicos vêm sendo desenvolvidos envolvendo o cultivar Niagara Rosada e cultivares de vinhos e sucos, os quais têm permitido a indicação da época de pulverização para controle das doenças fúngicas com base em sistema fenológico-pluviométrico; determinação de melhores épocas de poda; estabelecimento de curvas de maturação, estimativa do teor de sólidos por ocasião da colheita e previsão da data de colheita com base em dados meteorológicos. Estudos de adaptação a diferentes sistemas de condução, cultivo protegido e poda extemporânea de uvas para mesa, vinho e suco, finas, híbridas e rústicas têm sido o foco do trabalho de desenvolvimento fitotécnico a partir do ano 2000.

Frutas de Clima Temperado

A cultura do pessegueiro, até a década de 1950, era basicamente desenvolvida nas regiões serranas próximas à Capital. Nessa primeira fase, o IAC contribuiu através da elaboração de técnicas de manejo obtidas a partir dos resultados alcançados nos trabalhos experimentais. A partir dos anos 1960, a persicultura teve um impulso extraordinário com o plantio de cultivares obtidos pelo IAC, desenvolvidos a partir de hibridações. Desde seu início, o programa de melhoramento do IAC lançou 46 cultivares, além da adaptação de inúmeros materiais estrangeiros, recebendo destaque: o cultivar Talismã (IAC 1353-11), que, na década de 1960, ocupou 80% da área plantada de pêssego de mesa no Estado de São Paulo; a série ‘Joia’, de ótima aceitação pelo consumidor e até hoje comercializada sob o nome genérico de ‘Pingo de mel’; e o cultivar Douradão (IAC 6782-83), que permanece como ótima opção aos produtores.

A partir da década de 1970, com base nos cultivares Rubrosol (Sunred) e Colômbia (FLA 19-37S), trazidos da Flórida (Estados Unidos), o IAC iniciou o desenvolvimento de cultivares de nectarinas. Na década de 1980, foram lançadas as primeiras nectarinas IAC, destacando-se:  Rosalina (IAC N 3074-49), Josefina (IAC N 1579-1), Centenária (IAC N 2080-7), largamente cultivada no Estado de São Paulo, e Aurojima (IAC N 2680-91).

O desenvolvimento de cultivares menos exigentes de repouso hibernal também possibilitou a expansão da cultura da ameixa para o planalto paulista. Lançado em 1973, o cultivar Carmesim (IAC 2-41), de maturação precoce, com bom paladar, de excepcional produtividade e de pouca exigência de frio hibernal, expandiu-se rapidamente, tornando-se uma das principais ameixas cultivadas. Entre outros, os cultivares Gema de Ouro (IAC K-43), Grancuore (IAC 2-16), Januária (IAC K-52) e Centenária (IAC SR 51), que, por possuir maturação tardia, permitiu a ampliação do período da safra de ameixa por até sete meses, merecem destaque.

Das frutas classificadas como de clima temperado, a maçã é a que apresenta maior popularidade em seu consumo, por isso é importante apresentar aos produtores opções de cultivo em diferentes regiões e períodos de colheita. O cultivar Rainha (IAC 8-31), lançado em 1975, produz frutos com padrão de qualidade similar ao das melhores maçãs estrangeiras. No final da década de 1980, outros cultivares foram lançados, com destaque para Soberana (AIC 170-1) e Marquesa (IAC 570-38).

O consumo de peras, assim como o de maçãs, apresenta grande expressão, tanto de cultivares de peras tipo europeias quanto de peras tipo asiáticas. Lançados em 1872, o cultivar Seleta (IAC 16-28), que produz frutos de qualidade similar à das melhores peras importadas, e Triunfo (IAC 16-34) ainda são plantados, porém em escala restrita. Os cultivares Centenária (IAC
9-47) e Primorosa (IAC 9-3) têm frutos de fina qualidade e bom comportamento quando enxertados sobre o marmeleiro, combinação que resulta na obtenção de plantas de menor porte. O cultivar Princesinha (IAC 16-30) vem sendo plantado com sucesso no Vale do Rio São Francisco graças às técnicas de manejo e irrigação adotadas na região.

A cultura do caqui é uma excelente opção ao fruticultor que visa à racionalização da propriedade, pois sua demanda por mão de obra ocorre em períodos de ociosidade pelas demais frutíferas de clima temperado. Muitos foram os cultivares obtidos pelo IAC, dentre eles, destacam-se: Pomelo (IAC 6-22), do tipo adstringente e de maturação precoce, e Fuyuhana (IAC 152-7), de polpa não adstringente, que foram apresentados aos fruticultores como opções aos cultivares ‘Taubaté’ e ‘Fuyu’.

 

Lançado em 1982, como alternativa vantajosa para o cultivo comercial da nêspera no Estado de São Paulo, o Precoce de Campinas (IAC 165-31) se destaca pela alta capacidade de frutificação todos os anos, maturação precoce dos frutos e pequena suscetibilidade à ‘mancha-arroxeada’. Posteriormente, foram lançados outros cultivares altamente produtivos e de frutos grandes: Centenária (IAC 1567420), Néctar de Cristal (IAC 866-7), Mizumo (IAC 1567-411) e Mizauto (IAC 167-4).

A macadâmia, noz de origem australiana, teve sua adaptação no Brasil realizada pelo IAC na década de 1940. Originária de regiões subtropicais, apresentou boa adaptação às regiões de clima ameno do Estado de São Paulo. Além da adaptação e desenvolvimento de novos cultivares, o IAC trabalhou intensamente em estudos de propagação vegetativa dessa espécie. Esses trabalhos foram fundamentais para expansão e sucesso da cultura da macadâmia no Brasil, uma vez que a enxertia permite que as características da planta mãe sejam 100% transferidas à descendência e que o início da produção seja antecipado para os quatro anos de implantação. Dos 11 cultivares lançados pelo IAC, apresentam-se como mais promissores quanto à produtividade e à qualidade de nozes: ‘IAC 9-20’, ‘IAC 1-21’ e ‘IAC 4-12-B’.

Perspectivas e projetos

A fruticultura, de forma geral, por trabalhar com culturas perenes de ciclo médio a longo, necessita da realização de experimentação permanente. Assim, o Centro APTA de Frutas possui uma gama de projetos em desenvolvimento, os quais são listados abaixo. O objetivo desses projetos é a obtenção de cultivares produtivos e de boa adaptação às condições edafoclimáticas, além de apresentarem excelente qualidade de frutos e resistência à pós-colheita. Também são desenvolvidos projetos que busquem atender às demandas por novas técnicas de cultivo e manejo sustentáveis para a fruticultura:

• Programa de Melhoramento Genético (videira, pêssego, nectarina, pera e macadâmia);

• Comportamento das seleções de videira ‘JD 874’ e ‘SR 0501-17’ enxertadas sobre diferentes porta-enxertos no leste e noroeste do estado de São Paulo

• Desenvolvimento de porta-enxertos do gênero Prunus ssp. para pessegueiros e nectarineiras

• Alternativas para o cultivo de Niagara Rosada em áreas infestadas pela co
chonilha pérola-da-terra (Eurhizococcus brasiliensis)

• Sistema de condução em Y protegido com cobertura em ráfia plastificada: produtividade, qualidade e incidência de doenças fúngicas em uvas rústicas para vinho e suco

• Cultivo de amoreira-preta (Rubus spp.) na região de Jundiaí, São Paulo: adaptabilidade, adubação nitrogenada e potássica e pós-colheita.

• Assim, a utilização de cultivares híbridos ou rústicos adaptados às condições climáticas do Estado de São Paulo, a técnica de manejo como sistema de condução mais apropriado e o cultivo protegido permitiram a expansão da fruticultura no Estado, propiciando rentabilidade ao produtor e garantia de redução da utilização de defensivos agrícolas, gerando proteção ao ambiente e também ganho humano, tanto para a saúde dos agricultores como dos consumidores.