Sustentabilidade agrícola: a pesquisa responsável e respeito ao meio ambiente

Regina Célia de Matos Pires 1 e Gabriel Constantino Blain

1 rcmpires@iac.sp.gov.br Centro de Pesquisa e Desenvolvimento de Ecofisiologia e Biofísica, IAC.

Ao longo de seus 130 anos de existência, o Instituto Agronômico de Campinas (IAC) tem desenvolvido diversas atividades relacionadas à sustentabilidade ambiental em sintonia com a produção de alimentos e energia. Dentre elas, destacam-se o monitoramento ambiental, os estudos relacionados à resposta à interação planta-ambiente, as estratégias para regionalização e aptidão de culturas agrícolas e as recomendações de uso sustentável dos recursos hídricos. Esses esforços apoiam-se na premissa de que a sustentabilidade das atividades desenvolvidas pelo homem tem fundamental efeito na atualidade e, em especial, nas gerações futuras.

Diversos estudos apontam a necessidade de aumento na produção de alimentos e energia, especialmente considerando a tendência de crescimento populacional e o elevado número de pessoas sem alimentação adequada. Assim, torna-se evidente a necessidade da constante elevação na produção sustentável de alimentos, com aumento de produtividade, eficiência de uso da água, energia e nutrientes. Dessa forma, deverá ocorrer a potencialização dos sistemas de produção de alimentos e energia, com geração de emprego e renda e melhoria na qualidade de vida, com baixa interferência nos ecossistemas naturais. Nesse contexto, ressalta-se que o Instituto Agronômico é um dos pioneiros no início de medições climáticas, pela instalação de uma das estações meteorológicas mais antigas do país (1890), situada no Centro Experimental Central de Campinas. Esse posto secular de observações atmosféricas, além de fornecer base sólida para estudos de mudanças climáticas, pode ser visto como a semente que deu origem à atual rede de estações meteorológicas do IAC, capaz de fornecer informações de tempo e clima para mais de 200 localidades do estado de São Paulo.

Na década de 1950, a história da climatologia agrícola do IAC gerou importantes inovações relacionadas à sustentabilidade ambiental, com a introdução do conceito de evapotranspiração e balanço hídrico climatológico. Esses conceitos configuram-se, até os dias de hoje, como base fundamental dos estudos de uso e disponibilidade da água para diversas atividades humanas, incluindo a agricultura. Como exemplos do uso desses conceitos, pode-se citar o zoneamento agrícola, o monitoramento de seca (importantes ferramentas para gestão e estabelecimento de políticas públicas) e o uso racional da água na agricultura irrigada. Também de forma pioneira no Brasil, o IAC iniciou naquela década estudos de resposta das culturas à irrigação que forneceram relevantes informações da potencialidade das culturas ao uso da técnica. Na década de 1960, a elaboração do “Zoneamento de café no Brasil - (IBC/ GERCA)” subsidiou a renovação da cafeicultura no país. Também nessa década destacaram-se estudos relacionando clima à ocorrência de ferrugem e bicho mineiro do cafeeiro. A importância desses estudos agrometeorológicos culminou, na década de 1970, na publicação do zoneamento agrícola do Estado de São Paulo para 44 culturas. Concomitantemente, o IAC já realizava pesquisas com adoção da irrigação por gotejamento em fruteiras, importante método de irrigação para promoção de economia do uso da água e com grande enfoque e crescimento na atualidade.

Nas décadas de 1980 e 1990, houve a criação do CIIAGRO (Centro Integrado de Informações Agrometeorológicas) com vistas ao suporte à agricultura e à sociedade, e que continua em atividade até os dias de hoje. Considerando a importância das atividades relacionadas ao zoneamento agrícola, nessa década destaca-se o zoneamento da seringueira no Brasil, que subsidiou o plano de financiamento de cultivo da seringueira executado pela SudHevea. Relacionado ao uso eficiente da água, ressalta-se, nesse período, o desenvolvimento de metodologia para estimativa de demanda de irrigação considerando as ocorrências de chuvas. Tal metodologia resultou em informações para dimensionamento da demanda de água para irrigação complementar às chuvas, com vistas à economia do uso da água, energia e dos custos envolvidos no processo. A metodologia foi aplicada para diversos valores de água disponível no solo em diferentes regiões do Estado de São Paulo, possibilitando a abrangência de várias culturas, épocas de cultivo e armazenamento de água no solo. Estudo com participação de vários centros da Instituição (Centro de Horticultura, Fitossanidade e Solos e Recursos Ambientais) avaliou o uso da irrigação por gotejamento em morangueiro com respostas positivas em produtividade, qualidade e sanidade da cultura. Com o uso de técnicas culturais adequadas e manejo da água, verificou-se redução nas aplicações de insumos na cultura.

Nos anos 2000, destacam-se os primeiros estudos de avaliação e adaptação de índices de seca recomendados pela Organização Meteorológica Mundial para o Estado de São Paulo. Este estudo desenvolveu base para o atual monitoramento padronizado das condições de seca e para o estudo dos efeitos das mudanças climáticas sobre essa adversidade. Na Figura 1, são apresentados resultados de recente estudo realizado em parceria IAC-Unicamp, que demonstram intensificação da seca no início da estação chuvosa do estado de São Paulo. Nessa década, destacam-se também o Zoneamento Climático da Cana-de-Açúcar no Estado de São Paulo, importante ferramenta para o setor produtivo e órgãos gestores, e o cultivo da videria em Y - técnica recomendada em conjunto com Centro de Frutas - que resultou em aumento da produtividade dessa cultura. Ainda relacionada ao cultivo da videira na região do circuito das frutas, a inversão do ciclo da videira (safra de inverno) para obtenção de vinhos de melhor qualidade e duas safras no mesmo ano (conjunto com Centro de Fruticultura) é outra técnica que contribuiu ao setor produtivo do estado com alternativa e melhoria de possibilidades de comercialização e de renda ao agricultor.

Para fornecer informações relativas ao uso eficiente da água na agricultura, ainda na década dos anos 2000, destacam-se diversos estudos junto ao setor produtivo para fornecer estratégias e recomendações de parâmetros fundamentais para uso racional da água na citricultura, cana e cafeicultura. Também podem ser ressaltadas pesquisas para fornecer informações básicas relacionadas ao uso de águas residuárias provenientes de suinocultura e também uso de vinhaça, sendo ambos com aplicação pelo método de gotejamento.

Desde 2011, diversas técnicas e estudos estão sendo realizados com vistas à sustentabilidade agrícola. Relevante citar as primeiras comprovações estatísticas dos efeitos das mudanças climáticas no Estado de São Paulo com enfoque em alterações nos padrões de chuva, temperatura e de eventos agrometeorológicos como geada. Foi também desenvolvimento índice climático voltado à qualidade do café, que se configurou como base para esforços de certificação geográfica da produção.

Considerando a necessidade de uso racional e sustentável da água foi realizado importante estudo de diagnóstico, de caracterização e de irrigação no Estado de São Paulo, bem como estimativa da demanda hídrica de diferentes culturas e regiões para fins de gestão dos recursos hídricos e planejamento de uso da água. Há que se ressaltar que para viabilidade da redução do uso da água são realizadas pesquisas de uso de irrigações deficitárias como ferramenta para aumento da eficiência do uso da água na citricultura. Em relação à cultura da cana-de-açúcar, técnicas para promoção do uso racional da água na irrigação no sistema de produção de mudas pré-brotadas de cana-de-açúcar (MPB) têm sido objeto de investigações para divulgar informações importantes para o setor. Além disso, destaca-se a identificação de diferenças na eficiência do uso da água de cultivares de cana-de-açúcar e potencial de resposta à irrigação.

Cenários e perspectivas mundiais norteando as atuais pesquisas do IAC

Segundo estimativas da FAO – Food and Agriculture Organization by United Nations (2017) (órgão ligado à Organização das Nações Unidas – ONU), em 2050, a população mundial deverá atingir aproximadamente 10 bilhões de habitantes, o que sugere que a demanda por alimentos e energia aumentará. Assim, o uso de tecnologias deverá ser intensificado para o aumento de produtividade. Nesse contexto, há que se considerar a necessidade de sustentabilidade ambiental nos processos envolvidos, pois certamente acarretará pressão de uso e competição dos recursos naturais, emissão de gases, dentre outros aspectos. Diante desse cenário, os efeitos do aquecimento global elevam os desafios da manutenção da segurança alimentar mundial.

A área cultivada no mundo cresceu aproximadamente 12% no período de 1961 a 2009. Em 1961, cerca de 89,8% da área eram cultivadas sob sequeiro, e, em 2009, essa porcentagem foi reduzida para 80,3% devido ao crescimento da área irrigada (FAO, 2011). A agricultura irrigada que é adotada em cerca de 20% da área cultivada, é responsável pela produção de 40% dos alimentos. Assim, considerando os efeitos positivos na produtividade, na segurança alimentar e a necessidade de aumento da produção, verifica-se que a agricultura irrigada é técnica importante no contexto. Dessa forma, são necessários a adoção e o uso de técnicas para aumento da produtividade com sustentabilidade ambiental. Nesse contexto, a verticalização da produção precisa ser acompanhada do uso sustentável dos recursos hídricos e redução na emissão dos gases de efeito estufa. O aumento da demanda
de recursos hídricos para os diferentes usos da sociedade tende a crescer e com isso a gestão integrada da água tem caráter fundamental no contexto atual e futuro da sociedade mundial.

Em termos de disponibilidade hídrica superficial, o Brasil é um país privilegiado com cerca de 12% da água doce superficial do mundo. No entanto, a distribuição dos recursos hídricos é heterogênea e com grande concentração de vazão na Bacia do Rio Amazonas (= 78% da vazão total) (ANA, 2016). No país há regiões consideradas críticas do ponto de vista quantitativo e com demandas dos diversos setores da sociedade acima da disponibilidade, o que resulta em necessidade de gestão e priorização. Em estudo para verificar a potencialidade de expansão da agricultura irrigada no país, verificou-se que considerando aptidão alta e média do solo, do relevo e da água, há possibilidade de irrigar 38 milhões de ha (FEALQ, 2014).

Com o objetivo de mitigar possíveis impactos danosos das condições de clima futuro, o IAC tem realizado esforços para quantificar a probabilidade de eventos meteorológicos extremos no Estado de São Paulo, utilizando modelos climáticos disponibilizados pelos relatórios do Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC), considerando diferentes cenários de emissão de gases de efeito estufa. De forma inédita no Brasil, estão sendo utilizados modelos matemáticos capazes de incorporar relações não lineares na estimativa da probabilidade de eventos extremos de temperatura do ar e precipitação pluvial. O estudo compreende também etapas iniciais de avaliação e validação para verificar a capacidade dos modelos do IPCC em quantificar a probabilidade dos eventos sob estudo em relação à quantificação obtida com base em estações meteorológicas de superfície. Esse estudo deverá fornecer descrição detalhada da influência dos diferentes cenários de emissão de gases de efeito estufa na probabilidade desses eventos (agro)meteorológicos, dando suporte a ações e a políticas públicas que visam combater os efeitos negativos do aquecimento global.  

Diante da demanda de alimentos e energia e considerando a sustentabilidade ambiental, o IAC continuará a realizar estudos com abordagens relacionadas à melhoria da eficiência do uso da água na produção vegetal, com enfoque em diversos temas, tais como:

• demanda de água para irrigação, ferramenta de gestão, sustentabilidade hídrica, ambiental e segurança alimentar;

• relação planta-ambiente para adequação de cultivos e/ou materiais genéticos em regiões ou cenários climáticos, como importante fator ao setor produtivo e a programas de melhoramento genético de plantas, zoneamento agrícola;

• impacto das mudanças climáticas na demanda hídrica das culturas e potencial para agricultura irrigada bem como sua adoção como fator de segurança alimentar e energética. Nesse tópico, ressalta-se que recentes estudos apontam a irrigação, com uso racional da água, como importante fator de mitigação dos efeitos negativos da mudança climática na produção mundial de alimentos;

• proposição de estratégias para economia e conservação de recursos hídricos no meio agrícola por meio de divulgação de critérios para manejo das irrigações com promoção da eficiência do uso da água na produção agrícola, adoção de irrigações deficitárias, respostas de materiais genéticos à condição de seca ou irrigação, uso de águas residuárias para fins de irrigação de culturas.

Por meio da manutenção de todas essas pesquisas realizadas pelo Centro de Ecofisiologia e Biofísica, em parceria com outros Centros do IAC e diversas instituições de pesquisa e ensino, o Instituto Agronômico de Campinas continuará a gerar e transferir conhecimento e produtos ao agronegócio capazes de manter e aprimorar a posição de liderança conquistada pelo Brasil na Bioeconomia do século XXI.

Figura 1. Círculos vermelhos com detalhes em preto indicam significativa intensificação dos eventos de seca no Estado de São Paulo. Trabalho aceito para publicação (prelo) na Revista Bragantia: v.77(1) de autoria de: Pereira, V.R., Blain, G.C. Àvila, A.M.H de, Pires, R.C.M., Pinto, H.S.

Referências

ANA (2016) http://www3.snirh.gov.br/portal/ snirh/centrais-de-conteudos/conjuntura-dos-recursos-hidricos/informe-conjuntura-2016.pdf

FAO (2011) http://www.fao.org/docrep/015/ i1688e/i1688e00.pdf FAO (2017) http://www.fao.org/3/a-i6583e.pdf

FEALQ(2014)http://www.mi.gov.br/documents/1610141/3732769/An%C3%A1lise+Territorial+-+Relat%C3%B3rio+T%C3%A9cnico+Final. pdf/39ec0b08-3517-47e8-acbd-269803e3cf97

Pereira, V.R., Blain, G.C. Àvila, A.M.H de, Pires, R.C.M., Pinto, H.S. Regional impacts of climate change on drought: changes to drier conditions at the beginning of the crop growing season in southern Brazil, Bragantia, v.77(1) – Prelo