Bioeconomia: Promoção da horticultura urbana do século XXI

Luis Felipe Villani Purquerio¹, Carolina Cinto de Moraes²,  Thiago Leandro Factor³ e Alex Humberto Calori 4

1 Instituto Agronômico – IAC/APTA, felipe@iac.sp.gov.br;

2 Pós-Graduação em Agricultura Tropical e Subtropical, Instituto Agronômico – IAC/ APTA, carolcmoraes@hotmail.com;

3 Polo Nordeste Paulista - DDD/APTA, factor@ apta.sp.gpv.br;

4 Aeroponica, contato.aeroponica@gmail.com

Bioeconomia, o aumento da população mundial e a produção de alimentos

A bioeconomia pode ser definida como uma economia sustentável que reúne todos os setores da economia que utilizam recursos biológicos ou seres vivos. Esse mercado destina-se a oferecer soluções coerentes, eficazes e concretas para os grandes desafios sociais, como a crise econômica, as mudanças climáticas, a substituição de recursos fósseis, a segurança alimentar e a saúde da população. Segundo a Federação das indústrias do Estado de São Paulo (FIESP), essa atividade econômica é dependente de pesquisa multidisciplinar e visa a transformar o conhecimento e novas tecnologias em inovação para a indústria e para a sociedade. Dados da Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OECD) mostram que a bioeconomia movimenta, no mercado mundial, cerca de 2 trilhões de euros, o que gera cerca de 22 milhões de empregos. Dentro da bioeconomia, existe a figura fundamental do agricultor. Esse profissional, agora chamado de empresário rural, precisa ter produtos em quantidade, com qualidade, no momento desejado pelo mercado para não ser excluído da cadeia produtiva, cada vez mais exigente e crescente. Portanto, dentro da agricultura do século XXI, produzir mais com menos é uma premissa. Simultaneamente à exigência do mercado, a população mundial cresceu de 3 bilhões em 1959 para 6 bilhões em 1999, dobrando em 40 anos. As projeções do censo americano apontam para um crescimento mais lento, mas ainda contínuo no século XXI, chegando a 9 bilhões em 2042 (Figura 1).

2. Melhoramento genético e desenvolvimento de cultivares de Coffea arabica (café arábica)

Há 85 anos, o Programa de Melhoramento Genético do Cafeeiro do IAC desenvolve e recomenda cultivares de cafeeiro arábica não apenas para o estado de São Paulo, mas para toda a cafeicultura nacional e mundial, haja vista que 90% do café plantado no Brasil e 70% no mundo são cultivares IAC. Os cultivares desenvolvidos pelo IAC são de alta produtividade, adaptados às mais diversas condições edafoclimáticas, com excelente qualidade de grão e de bebida, e alguns são resistentes à ferrugem alaranjada da folha e a nematoides. Atualmente, há cinco cultivares protegidos no Serviço Nacional de Proteção de Cultivares (SNPC) e 68 registrados no Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (MAPA), estando aptos para cultivo comercial.

Os cultivares Mundo Novo e Catuaí são o alicerce da cafeicultura nacional, pois apresentam ampla adaptação, rusticidade e produtividade. O cultivar Catuaí proporcionou, devido ao seu porte baixo, mudanças expressivas no sistema de cultivo de café no Brasil e no mundo que favoreceram o adensamento do plantio e facilitaram a colheita manual, além de viabilizar a colheita mecanizada. O cultivar Catuaí Vermelho é plantado em praticamente todos os países produtores de café arábica (principalmente na América Central), estando presente
no Brasil, Colômbia, Costa Rica, México, Guatemala, Honduras, República Dominicana e Austrália, dentre outros. O IAC desenvolveu também cultivares do grupo Bourbon, sendo uma linhagem de Bourbon Vermelho e sete de Bourbon Amarelo. De modo geral, o Bourbon é preferido para a produção de cafés especiais em vários países produtores, pois apresenta melhor qualidade sensorial, destacando-se pela doçura natural, sabor achocolatado, aroma frutado e acidez equilibrada.

Outra relevante contribuição do IAC continua sendo o desenvolvimento de cultivares resistentes ou tolerantes à ferrugem-da-folha, principal doença do cafeeiro, que, em anos de alta incidência, pode causar redução de até 50% da produtividade. Destacam-se os cultivares Icatu, Obatã, Tupi e Catuaí SH3, que possibilitam redução do uso de agroquímicos para controle dessa doença, proporcionando menor impacto ambiental, bem como diminuição dos riscos para a saúde dos cafeicultores e consumidores de café, sendo de interesse também para cultivo orgânico de café. Devido às características de produtividade, vigor e resistência à ferrugem, o cultivar Obatã IAC 1669-20 é um dos mais plantados na Costa Rica. Recentemente, foram lançados os cultivares de porte baixo Obatã Amarelo IAC 4739, IAC 125 RN e Catuaí SH3, com níveis variáveis de resistência ou tolerância à ferrugem, e o cultivar IAC Ouro Verde, suscetível. O cultivar IAC 125 RN possui também resistência ao nematoide Meloydone exigua e tem apresentado excelentes índices de produtividade e qualidade em áreas de cafeicultura irrigada. O cultivar Catuaí SH3 tem apresentado elevada produção e vigor em condições não irrigadas, com excelente qualidade dos frutos.

Estima-se que o melhoramento genético do cafeeiro realizado pelo IAC, associado a técnicas modernas de manejo da lavoura cafeeira, tenha proporcionado incrementos acima de 200% na produtividade do cafeeiro arábica no Brasil. O programa de melhoramento genético do cafeeiro do IAC continua com seus trabalhos de hibridações e seleções visando buscar materiais com características agronômicas superiores e que agreguem valor em toda a cadeia produtiva, em um processo contínuo de evolução e adequação às novas demandas do mercado.

Café naturalmente sem cafeína:

O baixo teor de cafeína do café representa elevado interesse dos consumidores que apresentam restrição à ingestão dessa substância, porém não abrem mão do consumo de um autêntico café, que preserva o sabor original da bebida e não apresenta nenhum resíduo químico nos grãos. Pesquisas realizadas no IAC resultaram na descoberta de plantas de café arábica com reduzido teor de cafeína nos grãos (abaixo de 0,1%, sendo que o café arábica tem normalmente 1,0%), impactando positivamente o mundo da pesquisa científica e o mercado consumidor do produto. Várias progênies derivadas de hibridações entre acessos com baixo teor de cafeína e cultivares elite IAC encontram-se em fase de avaliação agronômica e tecnológica, e um cultivar denominado IAC 045125 está protegido no Serviço Nacional de Proteção de Cultivares (SNPC) do Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (MAPA).

3. Melhoramento genético de Coffea canephora (café robusta)

O principal produto desse programa foi o lançamento do cultivar Apoatã IAC 2258, que possui genes que conferem resistência aos nematoides Meloidogyne exigua, M. incognita e M. paranaenses. Esse cultivar é recomendado como porta-enxerto para cultivares de café arábica e utilizado intensivamente para cultivo comercial de cafeeiros suscetíveis em áreas infestadas por essa praga, como na região da Alta Paulista, no estado de São Paulo. Como não existe um controle químico eficiente e economicamente viável para nematoides na lavoura cafeeira, o controle por resistência genética torna-se o mais apropriado.

Nos últimos anos, o IAC intensificou o melhoramento genético do cafeeiro robusta visando ao desenvolvimento de cultivares clonais para plantio em regiões marginais no estado de São Paulo (locais com temperaturas elevadas). Trata-se de uma demanda antiga da cafeicultura paulista, e diversos clones estão sendo avaliados nas regiões da Alta Paulista e Centro-Oeste do estado de São Paulo, havendo grande interesse de cafeicultores paulistas e da indústria do café solúvel.

4. Banco Ativo de Germoplasma (BAG-Café)

O Instituto Agronômico possui o maior Banco Ativo de Germoplasma do Cafeeiro (BAG-Café) do País, com mais de 5.000 acessos. A existência de diversidade genética é essencial para o melhoramento genético de qualquer espécie, pois possibilita o desenvolvimento de novos cultivares com características desejáveis pela cadeia produtiva, tais como porte, arquitetura, produtividade, vigor, longevidade, adaptabilidade, precocidade, maturação, cor de fruto, resistência a praga e doenças, tipo de grão e qualidade de bebida, dentre outras. Para tanto, é necessário conhecer bem os genótipos de interesse para uso em melhoramento genético, desde a caracterização agronômica das plantas até a composição química dos grãos e qualidade sensorial do café, visando ao atendimento às demandas específicas da cadeia produtiva do café. O BAG-Café do IAC é constituído por dezesseis espécies, dezenas de variedades exóticas e variedades comerciais, milhares de híbridos intra e interespecíficos e centenas de acessos selvagens oriundos dos principais centros de origem e de diversificação do cafeeiro, abrangendo uma população de cerca de trinta mil indivíduos. Esse BAG-Café do IAC tem inestimável valor para a cafeicultura brasileira, pois, a partir dele, foram desenvolvidos praticamente todos os cultivares comerciais de café utilizados atualmente no Brasil, por meio de diversas instituições de pesquisa.

5. Biotecnologia

A área da biotecnologia também é contemplada nas ações do Programa Café do IAC. Atento ao progresso da ciência e da tecnologia cafeeira, o IAC participou ativamente no Projeto Genoma Café, que, numa primeira fase, desenvolveu o sequenciamento do genoma café, resultando na construção de um banco de dados com mais de 200 mil sequências de DNA. Esses dados estão disponíveis para os estudos pretendidos para identificação de genes associados ao desenvolvimento do cafeeiro bem como ao metabolismo de substâncias que possam auxiliar no avanço do conhecimento sobre a qualidade em espécies de café. Em parceria com a Embrapa Café, já foram obtidos avanços tecnológicos importantes que permitiram a identificação de marcadores moleculares e de promotores gênicos que poderão dar suporte ao melhoramento genético do cafeeiro.

6. Outras contribuições da pesquisa cafeeira do IAC para o mundo

Entre outras contribuições do IAC, destacam-se os trabalhos com a adubação do solo, preparo de solo, fertilização química, espaçamentos e fisiologia do cafeeiro, que viabilizaram o cultivo do café em solos de Cerrado e proporcionaram facilidades para a mecanização dos tratos culturais e da colheita. A mecanização da lavoura, a sistematização do uso de fertilizantes químicos e a colheita mecanizada foram, sem dúvida, os principais avanços tecnológicos da cafeicultura brasileira para redução do custo de produção. Estudos sobre arborização trouxeram contribuição para melhoria dos sistemas de produção, principalmente em regiões quentes, favorecendo o cultivo do cafeeiro em áreas marginais.

Corretivos de solo e fertilizantes:

O IAC foi pioneiro na realização de estudos sobre correção de solos e adubação de cafeeiro em ambiente de Cerrado no estado de São Paulo, os quais indicaram a viabilidade técnica do cultivo do cafeeiro arábica em solos de baixa fertilidade natural, mediante a aplicação racional de calcário e fertilizantes químicos. Posteriormente, isso veio a contribuir para a expansão do cultivo de café para outras regiões do Brasil, proporcionando aumento de produtividade e redução do custo de produção.

Colheita mecanizada:

O IAC foi responsável pelos primeiros estudos com colheita mecanizada do café no Brasil, tendo importado uma máquina de colheita de cerejas e feito modificações para colher café. O protótipo do IAC foi transferido para a iniciativa privada, que o aprimorou e acabou lançando a primeira colhedeira mecanizada de café do mundo. Atualmente, a colheita mecanizada está amplamente difundida em praticamente todas as regiões de produção de café no Brasil, e estima-se que contribua para redução de cerca de 40% dos custos de produção de café.

Poda do cafeeiro:

Estudos realizados pelo IAC permitiram o desenvolvimento de sistemas racionais de poda do cafeeiro. Para lavouras que apresentam potencial produtivo adequado ou em situações climáticas adversas, a poda é uma alternativa de baixo custo para revigorar a planta, viabilizando nova colheita em ciclo de dois ou três anos de recuperação da lavoura. Além de apresentar menor custo que a implantação de novos cafezais, a renovação de lavouras por meio de podas possibilita nova colheita dois anos após a poda, enquanto na implantação o prazo é quatro anos.

Processamento pós-colheita:

Estudos pioneiros de processamento pós-colheita e secagem do café realizados no IAC a partir da década de 1960 forneceram as bases tecnológicas para o desenvolvimento do processo de descascamento dos frutos maduros do cafeeiro. Esse tipo de processamento é atualmente conhecido no Brasil como técnica do café cereja descascado (CD), sendo amplamente utilizado nas regiões produtoras mais desenvolvidas. É utilizado também em outros países da América Central, onde recebe o nome de “Honey Coffee Process”. Esse método de processamento permite a remoção da casca dos frutos e preserva o pergaminho intacto, otimizando o uso de equipamentos e instalações e diminuindo custos de produção, uma vez que reduz pela metade o volume de café na linha de processamento e acelera a etapa de secagem.

Cafés Especiais:

Para atendimento à demanda atual de cafeicultores que buscam a produção de cafés de elevada qualidade de bebida, o instituto vem intensificando pesquisas sobre métodos de processamento pós-colheita associados a diferentes varietais existentes no BAG-Café do IAC. Os resultados preliminares são bastante promissores e poderão, no futuro, dar indicações sobre cultivares e formas de processamento específicas para os diferentes locais de produção, tendo em vista a produção de cafés especiais diferenciados. Devido à grande diferenciação do perfil sensorial dos cafés produzidos por determinados varietais, alguns deles foram classificados por profissionais qualificados como “cafés exóticos”, característica até então encontrada somente em cafés importados. Uma importante contribuição da pesquisa será a possibilidade de diversificação da qualidade dos cafés brasileiros a partir do uso de varietais específicos, sendo útil também para o fortalecimento da produção de café com identidade geográfica, conhecido como terroir.

Rede social do café: comunicação e difusão de tecnologia

A Rede Social do Café é uma plataforma de mídia social que foi criada em 2006 e vem se consolidando como importante canal de comunicação do sistema agroindustrial dos cafés do Brasil. Contribui com o setor cafeeiro por meio da ampliação da utilização dos ferramentais disponíveis para geração de conteúdo colaborativo e para a difusão de tecnologias geradas por instituições de pesquisa e universidades. Por seu intermédio, foi estabelecido no cotidiano de muitos integrantes do setor cafeeiro um canal de informação diária, com destaque para as principais notícias da mídia e geração de conteúdo próprio, realizando a cobertura de simpósios, congressos, seminários e dias de campo ligados à atividade cafeeira.

7. Perspectivas futuras

O Programa Café do IAC tem por objetivo principal o aumento de ganhos em eficiência e em qualidade na cadeia produtiva que promovam o desenvolvimento regional no estado de São Paulo. Para que a instituição continue contribuindo para o aprimoramento da cafeicultura brasileira, estão sendo despendidos esforços conforme as seguintes diretrizes:

a) Seleção de novos cultivares de café arábica deverá contemplar uma ou mais das seguintes características: resistência ao bicho-mineiro, resistência à ferrugem, resistência a bacterioses, resistência a nematoides do gênero Meloydogyne, tolerância ao estresse hídrico, elevada produtividade, porte adequado ao adensamento, qualidade sensorial diferenciada e baixo teor de cafeína, dentre outras;

b) Seleção de novos cultivares de café robusta para o cultivo em regiões marginais para o café arábica no estado de São Paulo;

c) Gestão de recursos genéticos, incluindo preservação, caracterização e uso eficiente dos recursos genéticos de Coffea, além da revitalização do banco de germoplasma de Coffea do IAC;

d) Intensificação de estudos em biotecnologia, com ênfase em técnicas de propagação de plantas relacionadas ao cultivo in vitro e à genômica funcional como ferramentas de apoio ao melhoramento genético para obtenção de novos cultivares de cafeeiro;

e) Seleção de cultivares clonais de café arábica, com ênfase na resistência múltipla a agentes bióticos e na qualidade do café, com uso intensivo da biotecnologia para propagação de plantas;

f) Pesquisas socioeconômicas com ênfase em estudos de viabilidade econômica de processos e sistemas produtivos, sustentabilidade e relações sociais ao longo da cadeia e análises de impactos ambientais, sociais, econômicos e tecnológicos.