Bioeconomia e monitoramento probabilístico dos eventos de seca no Estado de São Paulo

Por Gabriel Constantino Blain¹

1 – gabriel@iac.sp.gov.br – Centro de Pesquisa e Desenvolvimento de Ecofisiologia e Biofísica, IAC.

Introdução

A crescente demanda por alimentos, água e energia tem requerido da economia mundial o uso eficiente e sustentável dos recursos naturais (ROSEGRANT et al., 2015). Dessa forma, a Bioeconomia assume que o crescimento econômico deve, entre outros, ser impulsionado por métodos biotecnológicos que objetivam a geração sustentável de produtos, empregos e renda (OECD, 2009, SHEPPARD et al., 2011, SCHMID et al., 2012 e ROSEGRANT et al., 2013). Dentre os fatores-chave para o desenvolvimento da Biotecnologia, a necessidade de constante otimização do gerenciamento/monitoramento dos recursos naturais renováveis, tais como a água, ocupa posição de destaque (ROSEGRANT et al., 2013). Nesse contexto, a seca (ou a baixa disponibilidade hídrica diante de processos humanos e naturais) afeta desde a agricultura de subsistência até os setores mais complexos do agronegócio.

Na literatura, são encontrados diversos artigos dedicados ao estudo, monitoramento e conceituação científica da seca. Entre eles, o trabalho de Palmer (1965), “meteorological drought”, é um dos esforços mundialmente mais conhecidos sobre esse tema. De forma pioneira, Palmer (1965) considera seca como o intervalo de tempo, geralmente da ordem de meses ou até mesmo de anos, durante o qual a precipitação pluvial diminui consideravelmente em relação ao valor climatologicamente apropriado para um determinado local e época. Esse conceito “relativista” da seca, isto é, sua ocorrência não é imediatamente caracterizada por um dado valor de, por exemplo, precipitação pluvial (PRE), mas sim pelo desvio desse total em relação “ao que deveria ter ocorrido naquela região e período”, evidencia a necessidade de monitorar essa adversidade ambiental com base nas condições climáticas de cada local e época. Em conjunto com essa proposição “relativista” do conceito de seca, Palmer (1965) sugere que distintos atores percebem de forma diferenciada esse fenômeno. Segundo esse estudo, para um produtor rural, a seca é a falta de umidade na zona radicular das culturas; para um hidrologista, é o baixo nível dos rios e reservatórios, e, para um economista, é um fenômeno que desestabiliza a economia de uma região.

Atualmente, tem se intensificado a busca do correto entendimento da seca, considerando suas distintas implicações socioambientais. Nesse sentido, pode-se reconhecer quatro tipos predominantes de seca: a agrícola, a meteorológica, a hidrológica e a socioeconômica. A meteorológica é o resultado de um défice de precipitação. A hidrológica é uma deficiência no volume de água disponível, incluindo lençol freático, reservatórios e rios (WILHITE, 2000). A agrícola está relacionada à baixa disponibilidade de umidade no solo, a qual torna o suprimento de água às culturas insuficiente para repor as perdas por evapotranspiração (OMM, 1975). Além de estar relacionada a fases críticas do desenvolvimento/crescimento dos vegetais, o início dessa forma de seca pode distanciar-se dos demais tipos, pois depende quase que exclusivamente da água disponível na zona radicular das culturas. Keyantash & Dracup (2002) afirmam que, a menos que a demanda por água por parte da sociedade exceda significativamente o suprimento natural, a seca socioeconômica é uma consequência dos demais tipos dessa anomalia climática, sendo caracterizada monetariamente.

 

 

Podendo ser apontado como parte da evolução do conceito de tipos de seca, o Índice Padronizado de Precipitação (SPI), desenvolvido por Mckee et al. (1993), é capaz de quantificar ou monitorar essa adversidade em diferentes escalas de tempo. Para Mckee et al. (1993), tais escalas, ao serem relacionadas ao défice de precipitação pluvial, tornam-se extremamente importantes, caracterizando diferentes tipos de seca. Uma forma prática de interpretar essa afirmação de McKee et al. (1993) é considerar que um curto espaço de tempo (10 dias, por exemplo) pode resultar em queda significativa da umidade do solo, causando perdas agrícolas por estresse hídrico. Com isso, os agricultores preocupam-se, de forma geral, com o monitoramento da seca em períodos próximos ao semanal. Em contrapartida, o nível de reservatórios hídricos, como o sistema Cantareira no Estado de São Paulo, tende a ser afetado por défices de precipitação persistentes por espaços de tempo mais longos (mensal ou superior). Dessa forma, os gestores desses sistemas hídricos direcionam seu interesse para o monitoramento da seca em períodos iguais ou superiores ao mensal. Em teoria, o SPI é capaz de representar condições de excesso de chuva ou de défice hídrico de forma similar para toda e qualquer região e/ou período. Entretanto, apesar de sua robustez, algumas questões conceituais tendem a distanciar o SPI dos interesses agrícolas. Conforme anteriormente descrito, a seca agrícola exige monitoramento em escalas iguais ou inferiores a dez dias (BLAIN & BRUNINI, 2007). Contudo, em regiões e períodos em que o valor nulo de precipitação pode ser considerado climatologicamente esperado, como os decêndios de junho a agosto na localidade de Campinas, a aplicação/interpretação do SPI torna-se pouco consistente¹ . Essa última característica indicou a necessidade de adaptar o SPI aos interesses agrícolas (BLAIN & BRUNINI, 2006 e 2007).

1 Na localidade de Campinas, entre 1948 e 2008, no segundo decêndio de agosto, por exemplo, o valor zero de PRE apresenta frequência de ocorrência superior a 50%. Dessa forma, uma série temporal composta por dados decendiais do SPI sempre exibirá, para o período em questão, valores positivos, podendo, com isso, indicar o fim de uma seca, mesmo que nenhuma “precipitação” tenha sido observada.

Índices probabilísticos de seca agrícola: Trabalhos do Instituto Agronômico

Dentre os trabalhos realizados pelo Instituto Agronômico de Campinas (IAC/APTA/SAA-SP), o Índice Padronizado de Evapotranspiração Real (IPER) (BLAIN E BRUNINI, 2006) buscou incorporar o conceito proposto pelo SPI (voltado à precipitação pluvial) às séries decendiais da evapotranspiração real (ETR; parâmetro relacionado à utilização da água disponível no solo pelas plantas) em diferentes localidades do Estado de São Paulo. Conforme Blain e Brunini (2006), o IPER é calculado por:

1. Estimação e posterior transformação dos valores decendiais de evapotranspiração real (ETR; mm): ETR’ = ETR/100.
2. Ajuste das séries de ETR’ (36 séries distintas), por meio da distribuição beta.
3. Estimação da probabilidade cumulativa de um dado valor de ETR’. A função normal inversa, que possui média zero e variância unitária, é aplicada a essa probabilidade. O resultado é o IPER. Valores negativos do índice indicam que a quantidade de água utilizada pelas plantas para seus processos de desenvolvimento/crescimento ficou abaixo do patamar esperado.

Na tabela 1, é descrita a variação do IPER em relação a uma variação hipotética de valores de ETR, quando são descontados 0, 1, 2, 3 e 4 desvios-padrão da ETR média no segundo decêndio de fevereiro (estação chuvosa regional – Ribeirão Preto) e no primeiro decêndio de agosto (estação seca regional – Campinas).

Tabela 1 – Variação do índice padronizado de evapotranspiração real (IPER) em relação a uma variação hipotética de valores da evapotranspiração real (ETR), estimada segundo Thorntwaite e Mather (1995), quando são descontados 0, 1, 2, 3 e 4 desvios-padrão (DP) da ETR média no segundo decêndio de fevereiro, em Ribeirão Preto e no primeiro decêndio de agosto, em Campinas. Blain e Brunini (2006)

Os resultados apresentados na tabela 1 indicam que a estação chuvosa do Estado de São Paulo (verão, conforme climatologia regional) é potencialmente mais susceptível aos valores “mais negativos” (associadas aos casos severos de seca agrícola) do IPER. Como exemplo, cita-se que, na região de Ribeirão Preto, ao longo do segundo decêndio de fevereiro, um valor de ETR=24,4mm gera um IPER=-2,2, enquanto na região de Campinas, durante o primeiro decêndio de agosto, um valor (semelhante) de -2,4 do IPER é obtido apenas após o ETR decair a valores inferiores a 4,0 mm.

Geração e transferência de conhecimento em climatologia agrícola no IAC

Devido à elevada complexidade do fenômeno seca, autores de diversas partes do globo apontam que o estabelecimento de uma definição universal desse fenômeno, que seja válida para toda e qualquer região, período e atividade humana, é tarefa utópica. Contudo, em vez de ser classificada como dificuldade, essa característica dos estudos técnico-científicos dessa adversidade tem sido vista, pelo Instituto Agronômico, da Agência Paulista de Tecnologia do Agronegócio da Secretaria de Agricultura do Estado de São Paulo, como uma das principais forças motrizes para geração e transferência de conhecimento em climatologia agrícola. Sob esse aspecto, os resultados de pesquisas voltadas ao monitoramento padronizado da seca, com especial enfoque à agricultura e gestão ambiental, são descritos e realizados de forma detalhada pelas ações de pesquisa do IAC que visam ao desenvolvimento socioeconômico com base no uso eficiente e sustentável dos recursos naturais. Esses esforços podem ser acessados livremente por meio do endereço www.iac.sp.gov.br.

Por meio do Centro Integrado de Informações Agrometeorológicas (CIIAGRO), os agricultores, agentes públicos e demais usuários podem acessar o portal INFOSECA, onde estão disponíveis diversas informações sobre as condições de seca no Estado de São Paulo, como mapas do SPI (Figura 1), as quais podem auxiliar os produtores rurais nas tomadas de decisão necessárias ao manejo agrícola.

Figura 1 – Mapas do SPI indicando as áreas do estado com condições de seca (cor vermelho).

Referências

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BLAIN, G. C.; BRUNINI, Quantificação da seca agrícola pelo índice padronizado de evapotranspiração real (IPER) no estado de São Paulo, Bragantia, v.65, p.517-525, 2006.

BLAIN, G. C.; BRUNINI, O. Análise da escala temporal de monitoramento das secas agrícolas e meteorológicas no Estado de São Paulo, Revista Brasileira de Meteorologia, v.22, p.255-261, 2007.
BLAIN, G. C. (2012). Revisiting the probabilistic definition of drought: strengths, limitations and an agrometeorological adaptation. Bragantia, 71, 132-141.

HAYES, M.J.; SVOBODA, M.D.; WILHITE, D.A.; VANYARKHO, O.V. Monitoring the 1996 drought using the Standardized Precipitation Index. Bulletin of the American Meteorological Society, v.80, p.429-438, 1999.
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MAIA, A.H.N.; MEINKE, H.; LENNOX, S.; STONE, R.C. Inferential, non-parametric statistics to assess quality of probabilistic forecast systems. Monthly Weather Review, v.135, p.351-362, 2007.

MCKEE, T.B.; DOESKEN, N.J.; KLEIST, J. The relationship of drought frequency and duration to times scale. In: CONFERENCE ON APPIED CLIMATOLOGY, 8., 1993, Boston. Anais…, Boston: American Meteorological Society, 1993. p.179-184.

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ROSEGRANT, M. W., RINGLER, C., ZHU, T., TOKGOZ, S. AND BHANDARY, P. (2013). Water and food in the bioeconomy: challenges and opportunities for development. Agricultural Economics, 44, supplemement 139-150.

SCHMID, O., PADEL, S. AND LEVIDOW, L. (2012). The bio-economy concept and knowledge base in a public goods and farmer perspective. Bio-based and Applied Economics, 1, 47-63.

VICENTE-SERRANO, S.M.; BEGUERÍA, S.; LÓPEZ-MORENO, J.I. 2010: A Multiscalar Drought Index Sensitive to Global Warming: The Standardized Precipitation Evapotranspiration Index. Journal of Climate, 23, 1696–1718. doi: 10.1175/2009JCLI2909.1