Cultivares de amendoim alto oleicos: uma inovação para o mercado produtor e consumidor brasileiros
Godoy, I. J.1, Moraes, A. R. A.1, Santos, J. F.2 Michelotto, M. D.3, Bolonhezi, D.4, Freitas, R. S.5, Cavichioli, J. C.6, Carvalho, C. R. L. C.7, Martins, A. L. M.3
1 Pesquisador(a) Científico(a) do Centro de Grãos e Fibras do IAC, Campinas - SP, ijgodoy@iac.sp.gov.br, andrea@iac.sp.gov.br.
2 Pesquisador Visitante do IAC no Centro de Grãos e Fibras, Campinas - SP, joaofsantos@iac.sp.gov.br
3 Pesquisador Científico do Polo Regional Centro Norte, Pindorama - SP, michelotto@apta.sp.gov.br, lmartins@apta.sp.gov.br.
4 Pesquisador Científico do Polo Regional Centro Leste, Ribeirão Preto - SP, denizart@apta.sp.gov.br.
5 Pesquisador Científico do Polo Regional do Noroeste Paulista, Votuporanga - SP, freitas@iac.sp.gov.br.
6 Pesquisador Científico do Polo Regional da Alta Paulista, Adamantina - SP, jccavichioli@apta.sp.gov.br.
7 Pesquisadora Científica do Centro de Recursos Genéticos Vegetais do IAC, Campinas - SP, climonta@iac.sp.gov.br.
Introdução: Os Ácidos Graxos do Amendoim
Os grãos de amendoim contêm diversos compostos orgânicos e elementos minerais. Quantitativamente, as duas frações que predominam são a lipídica (45% a 50% de óleo) e a proteica (cerca de 25% de proteína). O óleo é composto de ácidos graxos, constituídos de longas cadeias de carbono (16 a 24, no caso do amendoim). Os diversos cultivares de amendoim contêm os mesmos ácidos graxos na sua composição, mas podem variar bastante quanto aos teores dos diversos ácidos, trazendo implicações em aspectos relacionados à qualidade do produto.
Entre os ácidos graxos que compõem o óleo de amendoim, os que mais se destacam quantitativamente são o oleico e o linoleico. Os teores desses dois ácidos são inversamente correlacionados por serem originados da mesma rota metabólica. Teores mais altos de ácido oleico resultam em teores mais baixos de ácido linoleico, e vice-versa. O amendoim, conhecido como alto oleico, possui aproximadamente 80% desse ácido.
Os diversos ácidos graxos que compõem o amendoim diferem entre si não só pelo tamanho da molécula, mas também pela presença de ligações duplas em determinados pontos da cadeia ou pela ausência dessas ligações. Ácidos graxos sem duplas ligações são chamados saturados, os de uma ligação são os monoinsaturados e os de duas duplas ligações poli-insaturados. As duplas ligações são os pontos da molécula que sofrem oxidação, fazendo com que ela se rompa e dê origem a moléculas menores. No processo de metabolismo, elas se ligam a outros compostos ou radicais, dando origem a inúmeras outras substâncias.
A Tabela 1 abaixo ilustra a composição de ácidos graxos em três cultivares de amendoim, sendo um deles alto oleico e os outros tradicionais, do tipo Runner e do tipo Valência.
Tabela 1. Composição de Ácidos Graxos (%) do óleo de três cultivares de amendoim.
(*) 18:1 – exemplo de tamanho da molécula de ácido graxo; cadeia de 18 átomos de carbono com uma ligação dupla.
Figura 1. Representação gráfica da molécula de ácido oleico com 18 carbonos e uma dupla ligação.
Os ácidos graxos saturados (abundantes na gordura animal, por exemplo) são considerados indesejáveis do ponto de vista nutricional. No organismo humano, sua presença favorece a formação de triglicérides e colesterol. Os ácidos graxos monoinsaturados vão formar muitos compostos considerados benéficos para a saúde, como no caso do ácido oleico (Figura 1). Uma das vantagens é a sua maior resistência à oxidação por ter apenas uma dupla ligação na molécula.
Na prática, um benefício do ácido oleico é propiciar uma “vida de prateleira” mais longa para o óleo ou para o produto, ou seja, tempo mais longo para que o óleo ou produto entre em processo de oxidação/ rancificação. Pesquisas mostram que os cultivares de amendoim que possuem 80% do ácido oleico na sua composição mantêm suas qualidades inalteradas por muito mais tempo do que amendoins que apresentam apenas 40% a 50% desse ácido.
Aspectos nutricionais dos ácidos graxos monoinsaturados
Outra vantagem do amendoim alto oleico (com 80% desse ácido graxo monoinsaturado) é nutricional (Grundy, 1989; Kris-Etherton P.M. et al., 1999; Clifford, J.; Kozil, A., 2017). Gorduras (óleos) ingeridas nas dietas são conhecidas por afetar as concentrações de colesterol total e lipoproteínas, entretanto os componentes dos triglicérides (ácidos graxos saturados, monoinsaturados ou poli-insaturados) não têm efeitos idênticos nos níveis de colesterol do soro sanguíneo. Pesquisas recentes mostraram que os ácidos graxos monoinsaturados produzem efeitos mais favoráveis quando substituem ácidos graxos saturados na dieta. Observou-se que os monoinsaturados reduzem os níveis de colesterol de “lipoproteínas de baixa densidade” (LDL, o “mau” colesterol), sem diminuir os níveis de “lipoproteínas de alta densidade” (HDL). Na ingestão dos ácidos graxos poli-insaturados (também considerados “saudáveis”), notou-se redução das “lipoproteínas de alta densidade” (HDL), o que não é desejável. Além disso, verificou-se que os monoinsaturados parecem alterar as lipoproteínas mais favoravelmente do que os carboidratos (que podem aumentar os triglicérides). Os carboidratos são muitas vezes indicados em dietas como substitutivos das gorduras, o que é um equívoco. O que importa é a qualidade dessa gordura (óleo). Portanto, os monoinsaturados são os ácidos graxos com maior potencial para uso em dietas visando à redução do colesterol.
Cultivares IAC alto oleicos
O primeiro genótipo com a característica “alto oleico” surgiu espontaneamente, de uma mutação natural, na década de 1980, no programa de melhoramento da Flórida (EUA). Estudos posteriores comprovaram que a característica é estável e condicionada por genes recessivos (Moore, K.M.; Knauft, D.A., 1989).
No IAC, os primeiros cruzamentos que utilizaram o germoplasma “alto oleico” datam de 2000 (Godoy, et al., 2005). O programa IAC vem desenvolvendo uma série de cultivares com essa característica, buscando inovar no mercado de amendoim quanto à qualidade, bem como atender à demanda dos produtores quanto ao comportamento agronômico nas diversas regiões e sistemas de produção (Godoy et al., 2009; Godoy et al., 2014; Godoy et al., 2017).
São cinco os cultivares IAC aqui apresentados com essa característica:
IAC 503
Figura 2. Imagem dos grãos e vagem do cultivar IAC 503.
O cultivar IAC 503 apresenta hábito de crescimento rasteiro, com moderada resistência a doenças foliares, principalmente mancha preta e ferrugem. Possui crescimento vegetativo acentuadamente indeterminado, com plantas vigorosas. Seu ciclo é longo, de 130 a 140 dias, podendo estender-se por 145 a 150 dias dependendo das condições climáticas do ano. Sua resistência e capacidade de estender o ciclo até a colheita, mantendo a sanidade e o vigor vegetativo, conferem a esse cultivar uma maior estabilidade produtiva em relação a outros amendoins rasteiros, ou seja, seu desempenho produtivo destaca-se quando se considera a média de vários plantios. Sua produtividade média situa-se em 4.500 kg ha-1 em casca, e seu potencial produtivo é de 6.500 kg ha-1. Os grãos contêm aproximadamente 48% de óleo, com 70% a 80% de ácido oleico. O mercado preferencial para esse amendoim é o de confeitaria (Figura 2). Seus grãos são de formato alongado e de tamanho médio maior do que de outros do padrão “runner”, e, predominantemente, de calibres 38/42 a 40/50, especialmente indicados para elaboração de grãos blancheados (sem pele).
IAC 505
O cultivar IAC 505 apresenta hábito de crescimento rasteiro com moderada resistência a doenças foliares, principalmente mancha preta e ferrugem. Também possui crescimento vegetativo indeterminado e plantas vigorosas. Seu ciclo é de 130 a 140 dias, porém não se estende tanto quanto o do cultivar IAC 503. Também se destaca pela estabilidade de produção, apresentando excelente desempenho produtivo na média de vários plantios. Sua produtividade média é de 4.500 kg ha-1 , com potencial para 6.000 kg ha-1. O cultivar IAC 505 apresenta teor de óleo nos grãos um pouco acima dos de outros cultivares (49%-50%), e seu teor de ácido oleico é de 70% a 80%. É indicado também para o mercado de confeitaria devido ao tamanho dos grãos do padrão “runner”, com maior proporção de calibre 40/50 (mais adequado para produtos drageados) (Figura 3). Pelo seu maior teor de óleo, esse cultivar é especialmente interessante para projetos focados na produção de óleo comestível (usado em culinária), tendo a característica “alto oleico” como um diferencial em relação aos outros óleos.
Figura 3. Imagem dos grãos e da vagem do cultivar IAC 505.
Recomendações: IAC 503 e IAC 505 são indicados para todas as regiões e sistemas de produção de amendoim exceto as áreas de renovação da cana-de-açúcar, onde há limitação para cultivares de ciclo que excedam os 130 dias. A resistência desses cultivares às doenças de parte aérea permite um planejamento de pulverizações com fungicida com um menor número de aplicações durante o ciclo em relação a cultivares suscetíveis.
IAC OL 3
Figura 4. Imagem dos grãos e da vagem do cultivar IAC OL 3.
O cultivar IAC OL 3 apresenta hábito de crescimento rasteiro e crescimento vegetativo mais rápido e mais determinado do que os dos cultivares anteriores, ou seja, uma vez formada a frutificação, as plantas praticamente cessam seu crescimento vegetativo e priorizam o enchimento das vagens. Em consequência, o ciclo desse cultivar é marcadamente mais próximo de 130 dias, podendo ser reduzido em alguns dias, dependendo das condições do ambiente. O ciclo do plantio à colheita varia geralmente entre 125 e 130 dias, fazendo com que esse cultivar seja mais adequado para as áreas de renovação de cana-de-açúcar, onde o ciclo muito longo prejudica o cronograma de atividades de plantio.
Como esse cultivar tem ciclo mais determinado e é suscetível a doenças foliares, as plantas ficam mais vulneráveis a estresses, requerendo eficiente proteção com fungicidas. A média de produtividade esperada para esse cultivar é de 4.500 kg ha-1, mas seu potencial produtivo pode ultrapassar 7.000 kg ha-1. Os grãos da IAC OL 3 são de formato que tende para arredondado, mas com tamanho médio um pouco maior do que outros do padrão “runner”, com predominância dos calibres 38/42 e 40/50 (Figura 4). O teor de óleo é moderado (na escala de teores para amendoim), ou seja, varia entre 46% e 47%, e os grãos também são “alto oleicos” (70%-80%).
IAC OL 4
O cultivar IAC OL 4 apresenta hábito de crescimento rasteiro, com características vegetativas semelhantes às do cultivar IAC OL 3, sendo também de crescimento e ciclo mais determinados (125-130 dias). Esse cultivar também tem ciclo adequado para plantio na renovação da cana-de-açúcar e também é suscetível a doenças foliares, que devem ser controladas com fungicidas. Sua produtividade está no mesmo patamar do cultivar IAC OL 3, alcançando médias de 4.500 kg ha-1 em casca, e potencial produtivo que pode ultrapassar 7.000 kg ha-1.
Os grãos de IAC OL 4 são de formato arredondado, mas com tamanho médio, porém menor do que os grãos do IAC OL 3 (Figura 5). Na granulometria, produz proporções maiores de grãos 40/50, enquadrando-se, portanto, na faixa de maior demanda, no mercado de grãos tipo “runner”. Seu teor de óleo é moderado (ao redor de 47%), e também apresenta a característica “alto oleico” (70% a 80% deste ácido).
Figura 5. Imagem dos grãos e da vagem do cultivar IAC OL 4.
IAC OL 5
Figura 6. Imagem dos grãos e da vagem do cultivar IAC OL 5.
O cultivar IAC OL 5 apresenta hábito de crescimento rasteiro e características vegetativas semelhantes às dos cultivares IAC OL 3 e IAC OL4, sendo também de crescimento e ciclo mais determinado (125-130 dias), possuindo, assim, ciclo adequado para plantio na renovação da cana-de-açúcar. Apresenta plantas rústicas e moderadamente resistentes a manchas foliares e alcança produtividade de 4.500 kg ha-1 em casca, e potencial produtivo na faixa de 6.500 kg ha-1.
Os grãos de IAC OL 5 são de formato arredondado e a granulometria concentra-se nos grãos de calibre 40/50, enquadrando-se, portanto, na faixa de maior demanda no mercado de grãos tipo “runner” (Figura 6). Seu teor médio de óleo é de 48%, e também possui a característica “alto oleico” (70% a 80% deste ácido).
Recomendações: IAC OL 3, IAC OL 4 e IAC OL 5 são indicados para áreas onde o esquema de rotação com a cana-de-açúcar não permite exceder 130 dias.
Referências
Clifford, J.; Kozil, A. Dietary fat and cholesterol. Food Nutrition, Fact Sheet 9313, Colorado State University, Extension, 2017.
Godoy, I. J.; Oliveira, E. J.; Carvalho, C. R. L. Análise de populações segregantes de amendoim para a característica “Alto Oleico”. II Congresso Brasileiro de Plantas Oleaginosas, Óleos, Gorduras e Biodiesel, Varginha, MG, 2005.
Godoy, I. J.; Carvalho, C. L. ; Martins, A. L. M. ; Bolonhezi, D. ; Freitas, R. S. ; Kasai, F. S. ; Ticelli, M. ; Santos, J. F. ; Oliveira, E. J. ; Morais, L. K. IAC 503 e IAC 505: cultivares de amendoim com a característica “alto oleico”. In: 5º Congresso Brasileiro de Melhoramento de Plantas, Guarapari -ES, 2009.
Godoy I. J., Santos J. F., Carvalho C. R. L., Michelotto M. D., Bolonhezi D., Freitas R. S., Ticelli, M., Finoto E. L.; Martins, A. L. M. IAC OL3 e IAC OL4: new Brazilian peanut cultivars with the high oleic trait. Crop Breeding and Applied Biotechnology 14: 200-203, 2014.
Godoy, I. J.; Santos, J. F.; Michelotto, M. D.; Moraes, A. R. A.; Bolonhezi, D.; Freitas, R. S.; Carvalho, C. R. L.; Finoto, E. L.; Martins, A. L. M. IAC OL 5 - New high oleic runner peanut cultivar. Crop Breeding and Applied Biotechnology, 17: 289-292, 2017.
Grundy, S. M. Monounsaturated fatty acids and cholesterol metabolism: implications for dietary recommendation. Journal of Nutrition, 119: 529-533, 1989.
Kris-Etherton P. M., Pearson T. A., Wan Y. High-monounsaturated fatty acid diets lower both plasma cholesterol and triacylglycerol concentrations. American Journal of Clinical Nutrition, 70(6):1009–1015, 1999.
Moore, K. M.; Knauft, D. A. The inheritance of high oleic acid in peanut. Journal of Heredity, 80:252–253, 1989.