Sorgo-Vassoura de Porte Baixo IAC 10V50
Tecnologia verde para produção de vassoura
Eduardo Sawazaki¹ e Rogerio Soares de Freitas²
1 Centro de Grãos e Fibras – IAC; sawazaki@iac.sp.gov.br.
2 Centro de Seringueira e Sistemas Agroflorestais– IAC; freitas@apta.sp.gov.br.
Introdução
O sorgo-vassoura (Sorghum bicolor) é um tipo de sorgo caracterizado pela inflorescência (panícula) com fibras longas e grãos encapsulados pelas glumas, cujo uso tem sido exclusivamente para confecção de vassouras resistentes e duráveis, conhecidas como vassoura caipira ou vassoura de melga.
Segundo matéria da Opinião & Notícias, de 12/05/2012, o historiador Gregory H. Nobles relata, em 1797, que um agricultor de Hadley, Massachusetts, chamado Levi Dickinson, teve a ideia de usar plantas de sorgo para fazer uma vassoura, amarrando um amontado de panículas em uma vara, que resultou em uma vassoura durável e eficiente. Outro fato marcante relatado por ele foi a inovação da vassoura redonda para uma vassoura plana, feita pelos Shakers, uma seita religiosa cristã do nordeste dos Estados Unidos, que teve a ideia de amarrar as panículas com arame, achatando-as com uma prensa, e fixando com costuras, resultando no tipo de vassoura produzido até hoje (Figura 1).
Figura 1. Vassouras de sorgo.
No Brasil, não se sabe quando o sorgo-vassoura foi introduzido. No Estado de São Paulo, segundo Glauco Pinto Viegas (1941), na década de 1930, a indústria da vassoura de sorgo estava no auge, com cerca de 34 fábricas instaladas no Estado; a produção nacional não era suficiente para atender à demanda: importavam-se anualmente cerca de 1000 a 1800 toneladas de palha, principalmente da Argentina, Itália e Uruguai. A falta de dados estatísticos sobre a cultura do sorgo-vassoura pelo fato de estar cultivado em pequenas propriedades fez com que essa cultura fosse sempre considerada de pouca importância econômica. Para acabar com a dependência das fábricas pela palha importada, iniciou-se, no Instituto Agronômico, em 1933/34, um trabalho de melhoramento do sorgo-vassoura, visando à obtenção de linhagens puras de variedades locais e importadas dos Estados Unidos, Itália e Argentina. Esse trabalho contou com a participação de pesquisadores da Instituição, como Carlos A. Krug, que delineou as bases do projeto de obtenção de linhas puras, cuja execução coube a Glauco Pinto Viégas, que, ao longo das décadas de 1930 e 1940, avaliou e obteve linhagens de variedades nativas e exóticas, de porte alto e anão, trazidas dos Estados Unidos, Argentina e Itália. As linhagens de variedades nativas foram mais produtivas, com menos defeitos na panícula, e foram utilizadas para estudos de época de plantio, adubação e espaçamentos entre linhas e entre plantas, mais adequados ao sorgo-vassoura.
O declínio da vassoura de sorgo começou com o desenvolvimento de fibras sintéticas em 1940, que passaram rapidamente a ser usadas pela indústria vassoureira. Mesmo com o fechamento das fábricas de vassouras de palha de sorgo, sua cultura persistiu nas pequenas propriedades rurais, principalmente nas regiões Sul e Centro do país, sendo as fábricas substituídas por pequenos artesões que mantêm variedades próprias, produzindo sementes e palha para confecção de suas vassouras. Predominam atualmente no mercado vassouras de fibras sintéticas, mas em muitos locais encontram-se as vassouras de sorgo à venda, cujo modelo e padrão são muito variáveis devido ao grande número de artesões existentes, com seu modo peculiar de fabricação da vassoura.
Em 1991/92, retomamos a pesquisa com sorgo-vassoura, estudando a densidade de plantas. Um dos grandes problemas do sorgo-vassoura era excesso de plantas na linha devido à alta densidade de semeadura, causada pelo uso de sementes próprias com baixa germinação. Em 2003, iniciamos um projeto de melhoramento do sorgo-vassoura com apoio da UPD de Tietê, avaliando-se 24 entradas originárias de produtores das regiões de Tietê, Jurumirim, Cerquilho, Monte Alegre do Sul, Sideróplis (SC) e uma variedade do IAC. Entre essas variedades, havia apenas uma variedade anã, proveniente da semente Maschietto, sendo as demais de porte alto. Esse trabalho selecionou uma variedade coletada na região de Tietê como a mais produtiva e com melhor qualidade de palha, uma variedade de Saltinho. Em 2004/05, estudou-se o efeito de três densidades de plantas e três doses de N em cobertura nas variedades Catanduva e Tietê, destacando-se a densidade de 7 plantas/m e a dose de 80 kg.ha-1 de nitrogênio em cobertura (Sawazaki et al.2006).
Com o objetivo de obter uma variedade de porte baixo e resistente ao acamamento, foram realizados, em 2006 e 2007, cruzamentos entre as variedades Tietê e Anã da Maschietto, que tinha panículas curtas e com muitos defeitos. Após vários ciclos de seleção nas gerações segregantes realizados em Campinas, Tietê e Votuporanga, com a colaboração dos pesquisadores Dulcinéia Elizabete Foltran e Rogerio Soares de Freitas, chegou-se a linhagens de porte anão a médio com panículas compridas. Em 2012 e 2013, foram realizados os ensaios de VCU (valor de cultivo e uso) em Campinas, Tietê e Votuporanga, quando foram avaliadas cinco linhagens de porte anão a médio, e as variedades de porte alto, Tietê, Saltinho e IAC Catanduva. Com base nesses ensaios, foram registradas, em 2015, no MAPA, as variedades IAC 10V50 porte baixo, IAC 10V60 Tietê e IAC 10V70 Saltinho.
Qualidade da palha do sorgo-vassoura
Figura 2. Palha do sorgo-vassoura IAC 10V50.
A palha do sorgo para confecção de vassouras precisa ter fibras compridas (>50cm), uniformes, roliças e flexíveis, saindo de uma raque curta. A melhor época para o corte da palha é a fase de grãos leitosos, com fibras esverdeadas. Com atraso na colheita, pode haver avermelhamento das fibras causado por fungos; no caso das variedades de porte reduzido, devido ao menor comprimento dos internódios, parte da panícula pode ficar recoberta pela última folha, o que favorece o ataque de fungos (antracnose) na base da panícula (Figura 2). Existe uma série de defeitos que aparecem nas panículas, causados pelo ambiente ou pela genética da variedade. Os principais defeitos são:
Figura 3. Panícula com defeito tipo M.
a) Raque grossa ou Miolo Grosso (tipo M, Figura 3): a raque fica comprida com as fibras saindo ao longo desse eixo central. Também é considerado tipo M, com a raque curta tendo uma fibra central bem mais grossa, como se fosse um prolongamento dela. É causado principalmente pelo ambiente de alta população de plantas e dos plantios tardios.
Figura 4. Panícula com defeito tipo J.
b) Panícula caída (tipo J, Figura 4). As fibras se inclinam logo após sua saída da planta, parecendo um J. O crescimento rápido da panícula causa seu inclinamento devido ao seu próprio peso. Excesso de nitrogênio e panículas muito compridas favorecem a ocorrência desse defeito. A redução desse defeito pode ser por meio da seleção de fibras mais grossas e panículas de tamanho médio, e com manejo adequado de fertilizantes.
Figura 5. Panícula com defeito tipo R.
c) Panículas com fibras retorcidas (Tipo R, figura 5): A panícula apresenta todas as fibras ou parte delas retorcidas ou engruvinhadas. É o defeito menos frequente, principalmente nas variedades melhoradas.
Características do IAC 10V50 - porte baixo
O cultivar IAC 10V50 apresenta, nos plantios de verão (outubro/novembro), porte médio, com altura de planta, medida do solo até a ponta da panícula, em torno de 210 cm, florescimento de 70 a 75 dias após plantio, dependendo da região (Figura 6). Apresenta alta tolerância à seca e ao calor, e resistência ao acamamento das plantas. A colheita das panículas para aproveitamento da fibra pode ser iniciada aos 20 dias após florescimento, com os grãos no estádio leitoso. Para aproveitamento dos grãos para semente, a colheita deve ser realizada quando os grãos estiverem bem granados e duros, resistindo à pressão das unhas. Apresenta, em relação à variedade Tietê, uma redução de 33% na altura da planta, facilitando a colheita manual das panículas que não precisam ser dobradas, pois corte com cabo de 50 cm pode ser feito em torno de 1,5 m de altura. Nos plantios tardios (fevereiro/março), reduz-se mais ainda a altura das plantas, podendo suportar espaçamentos reduzidos entre linhas, com até 180 mil plantas.ha-1, com menos perda na qualidade da palha que as variedades de porte alto (Figura 7). Possui a mesma qualidade de palha que a variedade Tietê no plantio de verão, entretanto, no plantio tardio - fevereiro/ março -, sua qualidade de palha é superior, com comprimento médio de palha de 62cm.
Figura 6. IAC 10V50 em plantio de outubro.
Figura 7. IAC 10V50 em plantio de abril.
Impacto da variedade IAC 10V50 – porte baixo na cultura do sorgo-vassoura
A expansão de qualquer cultura sempre esteve aliada à disponibilidade de sementes melhoradas com alto potencial produtivo e com boas características agronômicas. Na Sérbia, onde a cultura e a indústria da vassoura de sorgo têm grande importância econômica, o desenvolvimento da cultura se deve principalmente pela utilização de cultivares de porte baixo com alta produtividade e qualidade de palha.
No sorgo-vassoura de porte baixo, tem-se menor custo na colheita mecânica das sementes, o que viabiliza sua produção comercial; já para as variedades de porte alto, há necessidade de mão de obra na colheita, mesmo nos plantio tardios quando a planta fica mais baixa, sendo preciso fazer a dobra manual das plantas para viabilização da colheita mecânica.
Outra grande vantagem do sorgo-vassoura porte baixo é suportar redução do espaçamento entre linhas e aumento da população de plantas, melhorando sua produtividade. Nos ensaios de VCU com espaçamento de 80cm entre linhas, o IAC 10V50 foi 33% mais produtivo que a melhor variedade de porte alto. Outra vantagem é a ampliação da época de plantio até março/ abril, quando se verificou menor perda de qualidade da panícula em relação às variedades de porte alto. Em plantio de início de abril, obteve-se boa qualidade da panícula no IAC 10V50, enquanto a variedade Tietê em plantio de março apresentou elevada porcentagem de defeitos do tipo M.
Com a disponibilização de sementes do IAC 10V50 de porte baixo aos produtores para safra de 2017/18, esperam-se aumento da produtividade e maior rentabilidade aos pequenos produtores e artesões, que poderão incrementar sua produção de vassouras, adquirindo equipamentos que facilitam o “amarrio” e a costura (Figura 8), diminuindo mão de obra no custo de produção. As vassouras de sorgo atualmente têm maior custo que as de fibras sintéticas. A redução do custo da palha pelo aumento da produtividade e a diminuição da mão de obra com uso de equipamentos darão maior competividade às vassouras de sorgo, que têm a vantagem de ser um produto de tecnologia verde.