Da Amazônia para as terras paulistas: o papel do Instituto Agronômico para o desenvolvimento da heveicultura
Erivaldo José Scaloppi Junior 1, Rogério Soares de Freitas e Paulo de Souza Gonçalves
1 scaloppi@iac.sp.gov.br Centro Avançado de Pesquisa Tecnológica do Agronegócio de Seringueira e Sistemas Ageoflorestais, IAC.
Utilização e importância econômica e social
A seringueira pertence ao gênero Hevea, família Euphorbiaceae, que possui a Hevea brasiliensis (Willd. ex Adr. de Juss.) Muell.-Arg. como a espécie mais importante do gênero e do ponto de vista comercial. A borracha natural é largamente utilizada em diversos produtos imprescindíveis à vida moderna, e, a partir do século XX, tornou-se matéria-prima estratégica às economias desenvolvidas. Mais de 50 mil produtos empregam a borracha natural, inclusive centenas de dispositivos médicos, embora mais de 70% do total produzido sejam destinados à indústria pneumática.
Atualmente, o Brasil produz apenas uma fração dessa matéria-prima essencial, suficiente para abastecer em torno de 30% da demanda do mercado interno, sendo necessário um dispêndio médio anual de importação de mais de 500 milhões de dólares. Os países asiáticos detêm três quartos da produção mundial de borracha natural, que provêm, principalmente, da Tailândia, Indonésia, Malásia e Vietnã.
Além do aspecto comercial, seu cultivo gera benefícios sociais pela inclusão do homem ao meio rural e geração de divisas em diversos municípios paulistas. No campo, a cultura é, reconhecidamente, uma das que mais agregam empregos, sendo na proporção de um homem para cada 3,5 hectares. As 4.500 propriedades com seringueira somente no Estado de São Paulo empregam cerca de 15 mil trabalhadores diretos. Essa capacidade de inclusão de trabalhadores no sistema de produção fortalece o potencial econômico da agricultura regional, que, associada às cidades que circundam as propriedades, motiva a migração cidade-campo e geração de emprego e renda. Do ponto de vista ambiental, a cultura é fonte renovável de matéria-prima e contribui na redução do CO2 na atmosfera. Além do mais, características próprias do cultivo florestal, como proteção ao solo e aos mananciais, tornaram possível a criação, no Estado de São Paulo, da Lei Estadual nº. 12.927, de 23 de abril de 2008, que possibilita a utilização da seringueira como espécie integrante na composição dos sistemas agroflorestais para a recuperação de reservas legais.
Contribuições iniciais do Instituto Agronômico
Neste ano de 2017, comemoramos os 130 anos de existência do Instituto Agronômico de Campinas (IAC) ao mesmo tempo em que se completam os 100 anos da introdução da seringueira no Estado de São Paulo.
A história da seringueira no Estado de São Paulo inicia-se quando o coronel José Procópio de Araújo Ferraz, proprietário da Fazenda Santa Sofia, no município de Gavião Peixoto, solicitou o envio de sementes ao seu amigo, o Marechal Cândido Rondon, que realizava missões desbravadoras no Estado de Mato Grosso. Após tentativas iniciais, algumas sementes germinaram em 1917, perfazendo um século de existência em terras paulistas.
Na década de 1940, pesquisadores pioneiros do IAC observaram o bom desenvolvimento das seringueiras em Gavião Peixoto e iniciaram os primeiros estudos dessa espécie, até então desconhecida fora de seu habitat natural na Amazônia, com o plantio de sementes nas antigas estações experimentais de Pindorama, Ribeirão Preto e na Fazenda Santa Elisa, hoje Centro Experimental Central de Campinas (CEC). Décadas mais tarde, confirmou-se o sucesso dessa cultura no planalto do Estado de São Paulo.
O Brasil, que desfrutou da condição de principal produtor e exportador mundial no início do século XX, perde o monopólio da produção mundial de borracha natural, até então oriunda de seringais nativos, e torna-se importador dessa matéria-prima a partir de 1951.
Com a efetiva consolidação da seringueira como cultura estratégica e essencial ao desenvolvimento das economias modernas, ainda na década de 1950, o Instituto Agronômico introduziu sementes híbridas de Tjir 1 x Tjir 16 da Libéria, germoplasma nacional (clones Fx e IAN) e, simultaneamente, clones de alta produção do Sudoeste Asiático, com destaque para o clone RRIM 600 (Rubber Research Institute of Malaysia). Essa ação possibilitou que o Estado de São Paulo se tornasse no presente o principal produtor de borracha natural do Brasil, com mais de 50% do total produzidos.
A estratégia seguinte adotada pela instituição foi, a partir de 1960, iniciar os trabalhos para o desenvolvimento do Programa de Melhoramento Genético em Seringueira no IAC, com a avaliação de clones da coleção no atual CEC.
Em 25 de outubro de 1988, foi criado, pela portaria DG 14, o Programa Seringueira, com o objetivo de conferir maior objetividade e dinamismo aos projetos de pesquisa em execução com a espécie, sendo fortalecido, inicialmente, com recursos advindos do convênio entre a Secretaria de Agricultura e Abastecimento (SAA) e a antiga Sudhevea.
A intensificação dos projetos de pesquisa do “Programa Seringueira” ocorreu na década de 1990, graças ao suporte financeiro de fundações como a Fapesp, principalmente, e Ibama, que possibilitaram grande avanço nas pesquisas pela implementação de inúmeros ensaios nas estações experimentais do IAC, além de particulares e demais instituições de pesquisa. As parcerias interinstitucionais, essenciais, foram estabelecidas com a Unesp, USP, Unicamp e Embrapa, o que possibilitou a ampliação das linhas de pesquisa, com destaque para a biologia molecular, melhoramento genético, qualidade e monitoramento da borracha natural e avaliação da resistência a pragas e a doenças.
Os primeiros clones e plantios comerciais
O advento da introdução de clones elite pelo Instituto Agronômico na década de 1950 e o posterior trabalho de expansão na década de 1960 pela SAA possibilitaram que o Estado de São Paulo seja, atualmente, o maior produtor nacional de borracha natural em mais de 100 mil hectares cultivados.
O trabalho da SAA e o engajamento dos heveicultores paulistas possibilitaram que os seringais paulistas estejam dentre os mais produtivos do mundo, com média de 1.400 kg ha-1ano-1 de borracha seca, sendo essa média também superior ao dos tradicionais países produtores.
O cultivo da seringueira, portanto, havia se estabelecido fora de sua região de origem, onde as condições ambientais são diferentes, principalmente no sudeste do Brasil, nas chamadas “áreas de escape”, assim denominadas por apresentarem condição de cultivo em que não há dano econômico do mal-das-folhas, a principal doença da seringueira, causada pelo fungo Microcyclus ulei (P. Henn) v. Arx.
A elaboração da Carta de Aptidão Climática para o Cultivo da Seringueira no Brasil e a produção e o fornecimento constante de material propagativo pelo IAC para viveiristas de diversas regiões do país foram decisivos para o estabelecimento da cultura em São Paulo e demais Estados da Federação.
O melhoramento genético no IAC
Dentre os clones elites introduzidos pelo IAC na década de 1950 que apresentaram boa produção e ampla adaptação no planalto paulista, destaca-se o clone RRIM 600, que ocupa mais de 80% dos seringais paulistas. Essa atual situação de condição monoclonal é extremamente preocupante em termos fitossanitários. A suscetibilidade para o aparecimento e a proliferação de epidemias de pragas e doenças ocorrem pela restrita variabilidade genética e pelo caráter perene da cultura em campo, facilitando sobremaneira a adaptação de patógenos e pragas. Nesse sentido, o IAC prioriza a intensa experimentação na busca por novos clones mais produtivos, precoces e resistentes às moléstias e a intensa difusão de tecnologia para que os clones melhorados estejam nos empreendimentos agrícolas, alterando o panorama e possibilitando o incremento de produtividade e renda ao produtor.
Desde a domesticação da seringueira há mais de 140 anos no sudeste asiático, o melhoramento genético vem contribuindo para seu desenvolvimento, elevando o nível de produtividade de 400 para mais de
3000 kg ha-1 ano-1 de borracha seca. Aliada ao potencial de exploração da madeira de seringueira, excelente matéria-prima para diversas finalidades, está a demanda atual por clones de dupla aptidão.
Resumidamente, o ciclo de melhoramento da seringueira para a obtenção de novos clones compreende três etapas de seleção, sendo experimento de progênies, experimentos de avaliação de clones em pequena escala (EAPE) e experimentos de avaliação de clones em grande escala (EAGE). Inicialmente, avaliações de produção através de testes precoces são realizadas em experimentos de progênies, geralmente com plantas de três anos de idade. As melhores plantas são clonadas e conduzidas em EAPE, em espaçamento comercial e, normalmente, com poucas plantas por parcela. Após essa seleção, os clones de destaque são novamente clonados e conduzidos em EAGE, sendo experimentos implantados em diferentes ambientes para verificação da adaptação e com maior número de plantas por parcela. Apenas depois dessas três etapas, os clones são recomendados para plantio comercial. Por isso, o ciclo de melhoramento é longo, em torno de 30 anos para o lançamento de um novo clone.
Além de obter novos clones, o Programa de Melhoramento Genético também avalia clones oriundos de introdução, provenientes de instituições nacionais e, principalmente, internacionais, que necessitam de validação prévia da produção, adaptação e avaliação de caracteres secundários para posterior recomendação.
Os anos de tomada de dados e avaliações fornecem subsídios à elaboração de uma tabela de recomendação de clones para plantio no planalto do Estado de São Paulo (Figura 1), que é constantemente atualizada pela constante inclusão de novos materiais dos ensaios experimentais.
Figura 1. Recomendação de clones de seringueira para plantio no planalto do Estado de São Paulo, conforme as classes estabelecidas. IAC, 2017.
Clones IAC: solução em produtividade
A primeira década do século XXI foi marcada pelo lançamento dos primeiros clones do Instituto Agronômico com alta capacidade de produção de borracha: IAC 15, IAC 35, IAC 40 e a Série IAC 300. Dentre esses, destaque para o IAC 40, considerado produtivo, vigoroso e com adaptabilidade às mudanças climáticas anuais.
Entre 2009 e 2013, os novos clones das séries IAC 400 e IAC 500 foram lançados e registrados junto ao Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (MAPA). Até o presente, o Instituto Agronômico lançou 31 clones de seringueira. Trata-se de produtos tecnológicos inovadores.
Em relação aos clones IAC da Série 400, os dados disponíveis dos experimentos em Votuporanga indicam clones vigorosos e com potencial de produção de borracha e madeira. O incremento de tronco no período pré-sangria indica vários clones com aptidão para início precoce da explotação. A estimativa de produção de borracha seca no segundo ano de avaliação aponta potencial produtivo para o clone IAC 412, IAC 406 e IAC 410, principalmente, sendo, respectivamente, 49%, 23% e 19% superiores à testemunha RRIM 600.
Em relação aos clones da Série IAC 500, médias de 10 anos de produção de borracha seca (Figura 2) indicam porcentagens de ganho superior a 70% para o clone IAC 502 (Figura 3). Outros materiais excelentes são recomendados, como os clones IAC 500, IAC 503 e IAC 511, que apresentam ganhos superiores a 40% em relação à testemunha. Em relação ao vigor, a maioria dos clones IAC da Série 500 possui potencial para entrar em produção já a partir dos cinco anos de idade, sendo, no Estado de São Paulo, a média de sete anos para o início da extração de borracha. O ganho de quase dois anos para o início de produção representa enorme vantagem para o produtor rural pela precocidade da remuneração financeira e retorno antecipado do investimento inicial. Sobre o incremento de caule pós-sangria, ou seja, vigor após o início da produção, verificam-se ganhos de até 53% dos clones IAC em relação à testemunha. Isso significa potencial para aumento da produção de borracha ao longo do tempo e incremento do tronco para suprimento de madeira. As estimativas de produção de madeira útil do tronco para a Série IAC 500 aos 16 anos de idade das plantas apontam ganhos expressivos; o clone IAC 505 tem capacidade de produzir quase três vezes mais volume de madeira que o clone testemunha. Destaque também para os clones IAC 500, IAC 503 e IAC 502, sendo até 90% superiores na produção de madeira.
Figura 2. Histórico de 10 anos de produção de borracha seca (kg ha-1 ano-1) e incremento anual do perímetro do caule (cm) em pré e pós-sangria dos clones selecionados da Série IAC 500 em Votuporanga, SP. IAC, 2017.
Figura 3. Clone de seringueira IAC 502 com potencial produtivo até 71% superior à testemunha, na média histórica de 10 anos de produção em Votuporanga, SP. IAC, 2017.
Pesquisas multidisciplinares
O Centro de Seringueira e Sistemas Agroflorestais e as perspectivas de futuro
Importante para o agronegócio paulista e nacional, a heveicultura ganha, cada vez mais, representatividade para o setor, o que possibilita avanços nas áreas política e científica. O potencial de áreas aptas à produção de seringueira em São Paulo e no Brasil, a grande demanda por borracha natural no país e a pujança do setor culminaram com a criação, pelo Decreto 59.869 de 4 de dezembro de 2013, do Centro de Seringueira e Sistemas Agroflorestais, inaugurado em 9 de maio de 2014 em Votuporanga. Na década de 1980, a unidade iniciou as atividades como sendo uma das estações experimentais do IAC, o que perdurou até 2002, quando foi elevada à categoria de Polo Regional do Noroeste Paulista, pertencente à recém-instituída Agência Paulista de Tecnologia dos Agronegócios (APTA). O mais novo Centro do IAC acumula a experiência de décadas de experimentação, além de possuir o maior acervo de germoplasma institucional, um dos maiores e mais importantes do Brasil. O desafio hoje consiste em intensificar as linhas de pesquisas prioritárias em consonância com a missão institucional da essencialidade, atrelada às demandas do setor; fortalecer as parcerias interinstitucionais no desenvolvimento de pesquisas de vanguarda e promover o acesso à informação e aos produtos tecnológicos na contribuição da profissionalização do setor. Nesse sentido, o IAC seguirá no caminho de fortalecer seus programas de pesquisas com a cultura, proteger seu acervo genético e ofertar ao produtor novas tecnologias para melhoria da produtividade, clones mais produtivos, precoces e sadios, fornecer material genético com certificado de origem, visando ao desenvolvimento da heveicultura com maior sustentabilidade.